Quem sou eu

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Sou um antropólogo brasileiro especializado em temas educacionais. Meus trabalhos focalizam as relações existentes entre a educação escolar e outras esferas da vida social. Atualmente, desenvolvo pesquisas sobre estratégias familiares e projetos de escolarização nas camadas populares das cidades do Rio de Janeiro e Petrópolis, ambas no Brasil. A abordagem inclui reflexões sobre a educação básica e o ensino superior. O debate sobre a construção social das juventudes é privilegiado porque permite interpretações refinadas sobre as relações entre educação escolar e expectativas de futuro. Trabalho no Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ onde ensino antropologia e sociologia da educação, além de orientar estudantes interessados no debate entre ciências sociais e educação.

sábado, 2 de março de 2013

Estômago: a boca, o corpo e o sexo.


Lá na cidadezinha de minha avó dizia-se que “homem se prende pela boca”. Era um tipo de conselho dado às moças casadouras que deveriam aprender a cozinhar para aqueles que seriam “seus” homens. Nós, os homens, brincávamos com o conselho dizendo que as mulheres deveriam nos prender com a boca. O duplo sentido da afirmação causava rubores os mais diversos, principalmente nas moças que, por acaso, ouviam as conversas masculinas.

Quando cheguei ao Rio de Janeiro percebi rapidamente que minhas histórias com duplo sentido não deixavam ninguém ruborizado. Certa vez brinquei com uma de minhas colegas de graduação dizendo que ela deveria seguir a lógica das meninas de Minas e me prender com a boca. A resposta veio, como pergunta, de imediato: “qual das duas?” Quem acabou ficando sem graça fui eu.

A situação descrita é “boa para pensar” a relação entre sexo e comida. No Brasil, diz-se que quando alguém vai fazer sexo e assume postura ativa, está “comendo” alguém. A metáfora é curiosa e brilhantemente explorada em “Estômago”. O filme é um dos resultados de um acordo de co-produção bilateral Brasil-Itália. Foi produzido no Brasil e finalizado na Itália.

Não é a primeira vez que elogio um filme protagonizado por João Miguel. Em “Estômago”, ele dá vida à Raimundo Nonato, migrante sertanejo que descobre seu talento culinário quando vai trabalhar de graça em um boteco que servia pastéis e coxinhas. Com seu sucesso, é descoberto pelo dono de um restaurante italiano, que o leva para aprender os mistérios da alta gastronomia.

Boa parte do filme se passa em uma penitenciária, onde Raimundo Nonato cumpre pena por ter encerrado sua carreira com um crime cometido dentro do restaurante onde trabalhava. Raimundo, apelidado Alecrim, transforma sua cela em uma cozinha onde conquista poder e admiração dos outros presos ao transformar as refeições diárias em pratos requintados.

As melhores cenas ficam por conta de João Miguel e Fabiula Nascimento. Ela interpreta uma prostituta glutona, pela qual Raimundo Nonato se apaixona e a conquista oferecendo pratos cada vez mais requintados. Ela descobre Raimundo quando come uma das coxinhas feitas por ele e geme longamente com o prazer proporcionado pelo petisco.

Depois disso, o casal protagoniza uma sequência de cenas onde os prazeres do sexo e da comida se misturam. Na melhor delas, a prostituta está comendo um prato de massa ao suco, enquanto é comida por Raimundo Nonato. Suas feições expressam um prazer incomensurável, mas é impossível dizer qual das sensações está mais gostosa.

“Estômago” é fantástico para pensar as trajetórias de dois sujeitos sociais que se encontram no universo urbano e se relacionam – dando de comer um ao outro. A efemeridade desta relação associada à individualidade dos personagens permite refletir sobre vários pontos presentes no debate antropológico sobre o mundo urbano. O fim da relação do casal é um dos pontos mais quentes do filme, mas deste eu não vou falar. Fica a indicação e o suspense sobre o final...

O mais curioso disso tudo é que mesmo acompanhando os lançamentos nacionais bem de perto, nunca ouvi falar em “Estômago” até o momento em que foi anunciado no Canal Brasil. O filme ganhou dezenas de prêmios, nacionais e internacionais, mas pelo visto ficou pouquíssimo tempo nas telas. Por que será que o cinema brasileiro, exceção feita às comédias, atrai pouco público? É uma questão de matar.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Natal é Legal!


Os Natais de minha infância não foram, exatamente, os mais interessantes. Juntar, em uma mesma festa, vários membros dispersos de uma família italiana [do meu pai] não poderia mesmo dar muito certo. Era uma confusão só. Eu só gostava quando minha mãe fugia da festa e seguia para a cidadezinha de minha avó – um minúsculo município do interior de Minas Gerais onde eu tomava banho de rio, comia os peixes do mesmo rio e me divertia com os causos contados pelos mineiros mais velhos.

O sucesso do natal era mesmo minha avó. Hoje sei que ela nem era tão velha, mas na época eu achava que ela era velhíssima; a mais velha das velhas. Por isso, achava o máximo quando ela corria atrás de mim, me levava para pescar, fazer compras, me ensinava como utilizar o tradicional fogão movido à lenha e a “pescar” água no rio para lavar o quintal. Não entendia como uma mulher tão velha conseguia fazer todas aquelas coisas, mas mesmo assim eu adorava.

Minha avó morreu após o meu décimo segundo aniversário. Depois disso, na adolescência, passei a achar o natal um saco. O radicalismo juvenil me fazia ver o Natal como uma festa burguesa, desigual, chata, falsa, careta, hipócrita... coisas da adolescência. O fato é que o natal me deixava triste e eu não sabia exatamente por quais motivos. Essa fase durou pouco. Logo, logo, passei a gostar dos Natais organizados pelos meus tios e tias mineiros. 

Depois... fiquei velho. Ainda não virei o mais velho dos velhos (por enquanto! Embora desconfie que meus dois pequenos sobrinhos me vejam assim. Tio Rodrigo é um homem grande e velho!). Atualmente, na minha condição de Velho, adoro o Natal. Faço uma festa e tanto, com comida, bebida, presentes... tudo bem careta. Isso tudo é muito bom, mas o melhor é saber que nossos familiares e amigos são nossos familiares e nossos amigos. É para isso que serve o Natal.

Termino esta postagem com a mesma mensagem que enviei aos meus alunos. No natal, "cantem sua música, dancem sua dança, contem sua história [até aqui é do McCourt], [daqui para frente é meu mesmo] amem seus amores, comam suas comidas, vivam com seus amigos e continuem aprendendo o que quiserem aprender [esse finalzinho para os alunos era bem diferente].

Abraços Natalinos para todos.  

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Janele, Lou Reed e as fronteiras das cidades


Lou Reed dispensa comentários sobre suas habilidades musicais. Deus para alguns, Demônio para outros, navega pelas ondas das rádios de todo o mundo com suas letras repletas de ironias e sarcasmos que só poderiam ser produzidos por uma mente atormentada e um fígado opilado.

Não ignoro suas habilidades musicais, mas me interesso mais pelo toque literário presente em suas letras. Ele já foi chamado de poeta das esquinas de Nova York, mas eu preferiria chamá-lo de cronista das entranhas da metrópole e, quiça, das metrópoles.

Qualquer autor interessado em antropologia urbana deveria observar os versos de “Walk on the Wild Side”. Ela fala de personagens urbanos, vivendo suas existências nas fronteiras. Sexo, drogas, comportamentos desviantes compõem o cenário desta canção embalada pelas garotas que cantam “doo do doo do doo do do doo...”.

É curioso pensar nos motivos que levam estes personagens de fronteira a fazer tanto sucesso. Também é curioso elucubrar sobre os movimentos que fazem com que as grandes cidades cosmopolitas sejam espaços de confluência para estas existências reprimíveis em outros contextos.

Hoje ouvi “Walk on the Wild Side” e lembrei de uma história que permite lançar algumas hipóteses sobre as questões propostas. Trata-se de um caso clínico analisado por um professor em uma aula de psicologia da educação. Faz tempo que esta aula aconteceu, mas o caso é muito bom para pensar as fronteiras e as grandes cidades.  Não direi, é claro, o nome do analista e da paciente, mas garanto que é tudo verdade. Chamarei a paciente de Janele.

Janele vivia em uma cidade do interior do estado do Rio de Janeiro, uma cidade daquelas compostas pela praça, o coreto, a igreja, a prefeitura e....só isso mesmo. Era considerada a maluca da cidade. Vira e mexe enfrentava algumas crises onde saía cantando pela cidade, bebendo, dançando e dando para todo mundo. Os rapazes gostavam, mas a família ficava completamente envergonhada e sem saber o que fazer. O médico da cidade a medicava com calmantes fortíssimos e a internava por alguns dias. Passado o internato, Jane voltava ao “normal” e reassumia sua posição de “louca da cidade”, mas agora controlada.

Quando terminou o ensino médio,  Janele veio para a Capital, residir com alguns parentes que viviam no Rio fazia tempo, e estudar na Universidade. Ocorre que logo no primeiro semestre ela enfrentou uma de suas “crises”. Começou a cantar pelos corredores da Universidade, dançar com seus colegas de turma e dar para quem quisesse. Ficou uma semana assim e nada aconteceu. Melhor dizendo:  Janele não tomou medicamentos, não foi internada, não foi nem mesmo criticada. Ao contrário, ficou super popular entre os colegas e a família disse que ela estava se adaptando muito bem ao Rio de Janeiro.

Janele não entendeu nada, mas voltou ao “normal” mesmo sem os medicamentos. Semanas depois, teve outra “crise” e fez tudo de novo. Ficou ainda mais popular. Era muito querida por todos e sua agenda social vivia lotada. Resultado:  Janele surtou!

No surto, segundo o analista, perdeu completamente o senso de realidade; não sabia onde estava, quem eram seus amigos, sua família. Não sabia nem mesmo quem era. Depois de algumas semanas internada, Jane voltou ao “normal”.

Não vou entrar na seara dos psicólogos. Pouco interessa saber se Jane tinha ou não algum problema psicológico. O mais interessante é observar como os mesmos comportamentos em cenários diferentes promovem hostilidade e aceitação. Em sua cidade era louca. No Rio de Janeiro era legal. Em sua cidade precisava de remédios e internação. No Rio de Janeiro precisava de badalação... Estas contradições fundiram a cabeça da menina e ela acabou surtando de verdade. Não sei, sinceramente, se os “surtos” que aconteceram na cidade natal eram surtos mesmo, mas minha mentalidade interiorana consegue compreender as atitudes de sua família. Compreender, não concordar!

Não conheci nenhuma “Janele ” em minha cidade natal. Quando cheguei com minha mentalidade interiorana ao Rio de Janeiro e encontrei várias “Janeles” fiquei surpreso, mas foi uma surpresa extremamente positiva. Afinal, garotas que cantam e dançam e... não fazem mal a ninguém. Fazem bem!

Lá na minha cidade diziam que a cidade grande era perigosa porque era um lugar onde se podia tudo. Não sei se é verdade, mas se pode bem mais por aqui do que por lá. Este mundo urbano, cosmopolita, cantado por Lou Reed e analisado por toda a antropologia urbana tem uma poética própria. É um lugar de confluência de “malucos” onde todos os “malucos” são bem vindos, mesmo aqueles que desejam ou preferem caminhar exclusivamente pelo lado selvagem.




sábado, 18 de agosto de 2012

Roberto Carlos, os homens e suas mulheres - dica de final de semana




Eu sempre escutei as músicas de Roberto Carlos. Sabia que era brega, mas minha mãe adorava. Ela nunca foi muito interessada em televisão, mas agia como uma leoa quando meu pai sugeria que ela deixasse de assistir ao especial de final de ano do “Rei”.

Eu achava engraçado porque meu pai provocava, dizia que iria desligar a televisão, e ela atacava afirmando que ele estava morrendo de ciúmes do “Rei”.

Esta novelinha doméstica, depois de alguns anos, me fez pensar nos motivos que transformavam Roberto Carlos na trilha sonora da vida de tantas pessoas. Afinal, minha mãe não era a única. Todas as amigas também adoravam o “Rei”. Era uma adoração diferente. A beleza nunca era citada porque o encanto estava na voz e nas músicas.  

Bem mais tarde, quando li o clássico da boêmia carioca “Noites Tropicais”, do Nelson Motta, percebi que ele malhava Roberto dizendo que o “Rei” imitava João Gilberto. Depois admitiu que acompanhou Roberto Carlos em alguns shows, cedeu aos seus encantos e pediu um autógrafo. Ainda disse que nunca tinha pedido autógrafo de ninguém, mas com o “Rei” era diferente.

Que poder é esse? Minha mãe não ignorava e cena musical da década de setenta e anteriores. Gostava da jovem guarda, ouvia os tropicalistas. Meu pai gostava e cantava os clássicos da década de 1930 até 1950. Mas ela gostava mesmo era do “Rei”.

Ontem recebi uma intimação de minha esposa. Nós vamos assistir “à beira do caminho”. O que fazer em uma hora dessas? Apenas dizer: claro, amor. Que ótimo!

Segui para o cinema um tanto quanto desanimado. Não tinha muitas expectativas com relação ao filme, mas fui com o coração aberto. Logo nos primeiros minutos o personagem principal, um caminhoneiro, se desfaz em lágrimas ao som de... Roberto Carlos. Incrível!!!

Nunca tinha pensado na força das letras emocionais do “Rei” para os homens, principalmente para homens no perfil “machão tradicional”. O filme segue ao som do Roberto e há muitos momentos emocionantes. Não digam a ela que contei, mas minha mulher chorou o tempo todo. Eu não chorei porque tenho que manter a minha fama de mau.

“À beira do caminho” é um filme que fala de emoções vividas por homens rústicos e machões. Não vou entrar em detalhes porque não sou crítico e nunca serei. Aliás, detesto críticos de cinema, música e literatura. Detesto alguns acadêmicos também, mas isso não vem ao caso. Quero apenas indicar a excelente performance de Vinicius Nascimento, jovem ator que contracena com João Miguel e Dira Paes. O garoto tem algumas tiradas excepcionais. Vai aprendendo a ser homem com o caminhoneiro João e, ao mesmo tempo, o ajuda a arrancar do peito a dor que guardava e que só era liberada, aos poucos, quando ouvia as primeiras estrofes de “Nossa Canção”:

Olhe aqui, preste atenção
Essa é a nossa canção
Vou cantá-la seja aonde for
Para nunca esquecer
O nosso amor
Nosso amor!...

O filme é, sem dúvida, minha dica para o final de semana. 

domingo, 29 de julho de 2012

Professor Josué, o “sofressor” e a profissão docente

A série “Gabriela”, da rede Globo de televisão, como todos sabem, é baseada no livro “Gabriela, Cravo e Canela: crônica de uma cidade do interior”, escrito por Jorge Amado. Este livro é considerado um dos maiores exemplos de vitalidade da literatura nacional. 

Dentre os personagens que povoaram a imaginação de Jorge Amado, muitos remetem a tempos específicos da história brasileira. Os Coronéis do cacau, os estrangeiros que escolheram o Brasil como morada, os ex-escravos que, sem muito que fazer com a liberdade concedida, permaneceram nas fazendas como “trabalhadores livres”, os bacharéis e sua posição privilegiada em um contexto onde cultura escolar era privilégio de pouquíssimos, dentre outros.

De todos os personagens, o que mais chama minha atenção é o professor Josué. Não vou propor nenhuma comparação entre a descrição televisiva e aquela presente narrativa de Jorge Amado. Digo apenas que o professor Josué é mais denso no livro do que na novela.

Pois bem, o que pretendo comentar é a construção do personagem na novela. Josué é um jovem poeta maltrapilho que sobrevive das aulas que ministra no colégio das moças de Ilhéus. Suas vestimentas e seu andar lembram o de outro clássico maltrapilho: o Carlitos, de Chaplin. A diferença é que Carlitos era um adorável vagabundo enquanto Josué não o é. Será?

Josué é apaixonado por Malvina, menina considerada moderna por desejar liberdade para escolher a literatura que pretende ler. Seu grande feito foi ler “O Crime do Padre Amaro”; escondido de seus pais, é claro. Malvina é filha única do coronel Melk Tavares, homem de garbo e elegância, aliado político de Ramiro Bastos, o coronel dos coronéis.

Coronel Melk descobre a paixão nutrida pelo professor Josué e decide sabatiná-lo. Facão em punhos, acusa Josué de ser um bosta, um pobretão que não valia nada, um professor idiota que perde tempo escrevendo versos enquanto quase morre de fome. Josué permanece calado perante todas as ofensas e chega a concordar com as palavras de Melk Tavares. Sua feição só se modifica ao final, quando o coronel afirma que mesmo considerando Josué um bosta, permitiria que ele cortejasse Malvina. Josué explode em felicidade e começa a preparar a aproximação com a jovem menina.

O primeiro passo foi convidar Malvina para um sorvete. Como ela precisou levar uma amiga, Josué comprou e pagou três sorvetes, o que consumiu todas as suas economias de professor.

Algumas cenas mais tarde, Josué pede um jornal velho para tapar o enorme buraco de seu sapato. Comenta que todo seu dinheiro se foi com os sorvetes, mas mesmo assim está feliz. Em outro capítulo, Mundinho Falcão, rico exportador de cacau, oferece dinheiro para que o professor comprasse um sapato novo. Josué nega e diz que, mesmo pobre e professor, mantém sua dignidade.

O mais intrigante nestas cenas é o conjunto relações propostas: pobre + poeta + sonhador + maltrapilho = professor. Ainda bem, para nós professores, que este personagem só existe na ficção. Será?

Em uma atividade de pesquisa ouvi, de uma professora, um relato intrigante. Ela falava de sua irritação com um tipo de docente com o qual era obrigada a conviver: o “sofressor”. Sua fala provocou risos entre os outros integrantes do debate. Ela explicou que o “sofressor” é aquele que quando vai trabalhar usa sua pior roupa, a pior bolsa, o pior sapato e chega dizendo: vamos lá para mais um dia de trabalho porque “eu sou o sofressor”.

Indignada, a professora dizia que era fundamental acabar com essa imagem de “sofressor” porque ela passa um recado desanimador para todos os estudantes. Ela sintetizou da seguinte forma: “se um aluno vê o professor assim, quando é que ele vai querer estudar se é o professor quem melhor representa o estudo?”

É uma boa questão e, por isso, pretendo deixá-la em aberto. Farei apenas uma pequena provocação. Quando decidi ser professor ouvi dezenas de comentários sobre professores formados que estariam trabalhando em indústrias, padarias, lanchonetes, vendendo roupas na Rua Teresa (polo de comércio varejista de Petrópolis), entre outras funções.

Minha estratégia era simples: quando ouvia esta indicação por parte de alguém, pedia “humildemente”: você pode me apresentar um destes professores?

A sequência era sempre a mesma: bom, eu não conheço nenhum, mas todos sabem que eles existem.

Eu concordo! Eles existem em nosso imaginário coletivo. Mesmo que nunca tenhamos visto um professor padeiro, dizemos a todos que eles existem e sua existência é tão real quanto a do maltrapilho professor Josué, ou a dos “sofressores” que praguejam contra Deus e o mundo quando vão trabalhar.

Mas há outros professores nada maltrapilhos que escolheram a docência como profissão e meio de vida, conhecem as agruras da vida de mestre, mas nunca se percebem como fracassados. São amados e odiados pelos alunos, escrevem monografias, dissertações teses, artigos, livros, acreditam em sua capacidade intelectual e olham para as escolas e para os sistemas educacionais, principalmente os mais precários, como realidades mutáveis. Espero que todos os meus alunos, que em breve serão professores, sejam assim. Eu faço minha parte porque, definitivamente, não tenho vocação para “sofressor” e não ando com o sapato furado. E você?

sábado, 30 de junho de 2012

LaPOpE on line


O Site do Laboratório de Pesquisa em Oportunidades educacionais - LaPOpE já está on line.

O LaPOpE dedica-se à investigação do problema clássico da distribuição de oportunidades educacionais, em todos os níveis de escolaridade. Este problema, sabe-se, está intimamente associado à estratificação social e às diversas formas de segmentação observadas nas sociedades contemporâneas. Com abordagens típicas das ciências sociais, enfatiza aspectos socioeconômicos, culturais, demográficos, raciais e espaciais da desigualdade educacional. Suas pesquisas são produto da atividade coletiva de seus membros, em busca de recursos teóricos e metodológicos em diálogo com a literatura nacional e internacional. 

O LaPOpE adota procedimentos de pesquisa envolvendo o tratamento e a análise de dados em grande escala, produção de dados primários através de surveys, entrevistas, grupos focais, observação, georreferenciamento, análise socioespacial e documental, e demais recursos de modalidades qualitativas e quantitativas de pesquisa.

Somos um grupo de professores com especialidades complementares. Eu, Marcio da Costa, Mariane Koslinski, Ana Pires do Prado, Silvina Fernández, Gabriela Honorato e Rosana Heringer.



Vejam o site:
http://www.lapope.fe.ufrj.br/

domingo, 10 de junho de 2012

Escolhas familiares e estratégias de acesso às escolas do sistema municipal de educação do Rio de Janeiro: navegação social em um espaço de disputa.



O texto a seguir é o resumo do trabalho selecionado para o encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais – ANPOCS/2012. Foi escrito em parceria com a antropóloga Ana Pires do Prado. É o resultado de um esforço coletivo, desenvolvido no LaPOpE - Laboratório de Pesquisa em Oportunidades Educacionais. Os professores Marcio da Costa e Mariane Koslinski também colaboraram diretamente com este trabalho. A pesquisa inicial foi proposta por eles. 

O trabalho completo será apresentado no evento e estará disponível para consulta, leitura e impressão. Parta quem não conhece a ANPOCS, o site é http://www.anpocs.org.br/portal/. Vamos ao texto:

Em 2011 realizamos 54 entrevistas com pais de estudantes de escolas públicas da cidade do Rio de Janeiro. Em uma delas, uma mãe afirmou: “Eles não querem crianças tipo daquela ´inclusão social`”. Ela fazia referência à uma escola pública que possuía critérios estipulados pela direção para escolher os seus alunos. Essa entrevista indica que as famílias escolhem as escolas para seus filhos a partir de determinados fatores e que o acesso à vaga, em alguns casos, depende dos critérios determinados pelas escolas, rompendo com a ideia de oferecimento universal e equânime de oportunidades educacionais.

A situação descrita ocorreu durante o trabalho de campo de um survey sobre a distribuição de oportunidades educacionais no Rio de Janeiro. O trabalho faz parte da pesquisa “O Funcionamento de Quase-Mercados Educacionais e a Segmentação Escolar” proposta pelos sociólogos Marcio da Costa e Mariane Koslinski. Insere-se, portanto, nos debates sobre desigualdades educacionais com foco na hierarquização e estratificação de escolas nos sistemas municipais de educação.

Inicialmente, o survey foi proposto com o objetivo de obter informações quantitativas sobre as escolhas feitas pelas famílias, com foco nos critérios que as orientam e nas estratégias utilizadas para o acesso às escolas. A pesquisa apresentava uma abordagem metodológica inovadora. Incluía, ao final do questionário, uma questão geral que deveria ser gravada. 

Os primeiros questionários indicaram que a gravação tornara-se importante porque os entrevistados apontavam detalhes dos processos de escolha e acesso às escolas. Os entrevistados também citavam informações relevantes enquanto respondiam às questões objetivas, mas estas informações não eram registradas porque o foco estava no questionário. Decidimos gravar todo o encontro de pesquisa e reconstruímos metodologicamente a investigação. Propusemos que os aplicadores trabalhassem em duplas e realizassem observações etnográficas durante os encontros de pesquisa. Foi necessário realizar um treinamento, que contribuiu para a reflexão sobre a prática antropológica e a “grafia” etnográfica. O resultado foi a ampliação do diálogo entre as abordagens antropológica e sociológica e, principalmente, o refinamento das análises empreendidas. 

Nesse trabalho temos dois objetivos: (i) descrever a organização da rede municipal de educação da cidade do Rio de Janeiro, principalmente o remanejamento de alunos do primeiro para o segundo segmento do ensino fundamental; (ii) apresentar os processos utilizados pelos agentes sociais que interagem em situações de escolha e disputa por vagas no ensino fundamental, utilizando os dados obtidos com as entrevistas e com as observações etnográficas.

A rede municipal do Rio de Janeiro tem uma peculiaridade: a maioria de suas escolas não oferece o ensino fundamental completo. Em geral as escolas oferecem um dos segmentos do ensino fundamental. Essa situação faz com que os alunos tenham que mudar de escola após os cinco primeiros anos de escolarização. Esse processo é denominado na rede de remanejamento. Até 2011, os pais escolhiam três escolas em ordem de prioridade e os filhos eram alocados em uma delas. Em 2011, os pais puderam escolher cinco escolas. A lista tríplice passou a ser lista quíntupla. Nossos entrevistados, no entanto, trocaram de escola em 2009 e preencheram a lista tríplice. 

Em todos os casos, os familiares precisam escolher as escolas que desejam para os filhos. A análise das entrevistas permitiu propor uma tipologia para a interpretação dos processos de escolha de escolas. Há três tipos de escolha: (i) Escolha com a utilização exclusiva da burocracia municipal (escolha dirigida), que corresponde a processos de escolha em que os pais não tiveram atuação direta na eleição da escola. São casos em que os familiares acatam à indicação realizada pela burocracia municipal para escolher a escola. Como consequência, os filhos têm acesso às escolas escolhidas para eles pela própria burocracia das escolas em que estudavam durante o primeiro segmento, (ii) Escolha com a utilização de relações pessoais na burocracia municipal, situação em que os pais consultaram suas redes de solidariedade/relações pessoais dentro da burocracia municipal para a orientação de suas escolhas e (iii) Escolha com a utilização de relações pessoais externas à burocracia municipal. Este tipo corresponde aos processos de escolha em que os pais consultaram suas redes de solidariedade/relações pessoais externas à burocracia municipal. 

Também identificamos três estratégias de acesso: (i) Acesso com a utilização exclusiva da burocracia municipal, que corresponde aos processos de matrícula em que os pais, após escolherem a escola desejada, iniciam o processo de acesso utilizando exclusivamente a burocracia municipal, (ii) Acesso com a utilização da burocracia e das relações pessoais, situação em que os pais, após escolherem a escola desejada, iniciam o processo de acesso utilizando redes de solidariedade/relações pessoais com pessoas da própria burocracia municipal ou com pessoas que os conectam à burocracia municipal para o início do processo de matrícula na escola desejada e (iii) acesso com a utilização exclusiva de redes de relações pessoais, que corresponde aos processos de matrícula em que os pais, após escolherem a escola desejada, iniciam o processo de acesso utilizando, exclusivamente, suas redes de solidariedade/relações pessoais fora da burocracia municipal. 

Os resultados e análises, embora preliminares, são expressivos e nos permitem ampliar o debate sobre a relação das camadas populares com a escolarização em um sistema estratificado. Os dados apontam que as redes sociais presentes no campo de possibilidades de cada família tendem a orientar as escolhas e os acessos às escolas, principalmente as mais prestigiadas, o que influencia diretamente a qualidade da formação escolar dos estudantes e desafia o ideário republicano de oferecimento universal e equânime de oportunidades educacionais.