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Sou um antropólogo brasileiro especializado em temas educacionais. Meus trabalhos focalizam as relações existentes entre a educação escolar e outras esferas da vida social. Atualmente, desenvolvo pesquisas sobre estratégias familiares e projetos de escolarização nas camadas populares das cidades do Rio de Janeiro e Petrópolis, ambas no Brasil. A abordagem inclui reflexões sobre a educação básica e o ensino superior. O debate sobre a construção social das juventudes é privilegiado porque permite interpretações refinadas sobre as relações entre educação escolar e expectativas de futuro. Trabalho no Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ onde ensino antropologia e sociologia da educação, além de orientar estudantes interessados no debate entre ciências sociais e educação.

sábado, 2 de março de 2013

Estômago: a boca, o corpo e o sexo.


Lá na cidadezinha de minha avó dizia-se que “homem se prende pela boca”. Era um tipo de conselho dado às moças casadouras que deveriam aprender a cozinhar para aqueles que seriam “seus” homens. Nós, os homens, brincávamos com o conselho dizendo que as mulheres deveriam nos prender com a boca. O duplo sentido da afirmação causava rubores os mais diversos, principalmente nas moças que, por acaso, ouviam as conversas masculinas.

Quando cheguei ao Rio de Janeiro percebi rapidamente que minhas histórias com duplo sentido não deixavam ninguém ruborizado. Certa vez brinquei com uma de minhas colegas de graduação dizendo que ela deveria seguir a lógica das meninas de Minas e me prender com a boca. A resposta veio, como pergunta, de imediato: “qual das duas?” Quem acabou ficando sem graça fui eu.

A situação descrita é “boa para pensar” a relação entre sexo e comida. No Brasil, diz-se que quando alguém vai fazer sexo e assume postura ativa, está “comendo” alguém. A metáfora é curiosa e brilhantemente explorada em “Estômago”. O filme é um dos resultados de um acordo de co-produção bilateral Brasil-Itália. Foi produzido no Brasil e finalizado na Itália.

Não é a primeira vez que elogio um filme protagonizado por João Miguel. Em “Estômago”, ele dá vida à Raimundo Nonato, migrante sertanejo que descobre seu talento culinário quando vai trabalhar de graça em um boteco que servia pastéis e coxinhas. Com seu sucesso, é descoberto pelo dono de um restaurante italiano, que o leva para aprender os mistérios da alta gastronomia.

Boa parte do filme se passa em uma penitenciária, onde Raimundo Nonato cumpre pena por ter encerrado sua carreira com um crime cometido dentro do restaurante onde trabalhava. Raimundo, apelidado Alecrim, transforma sua cela em uma cozinha onde conquista poder e admiração dos outros presos ao transformar as refeições diárias em pratos requintados.

As melhores cenas ficam por conta de João Miguel e Fabiula Nascimento. Ela interpreta uma prostituta glutona, pela qual Raimundo Nonato se apaixona e a conquista oferecendo pratos cada vez mais requintados. Ela descobre Raimundo quando come uma das coxinhas feitas por ele e geme longamente com o prazer proporcionado pelo petisco.

Depois disso, o casal protagoniza uma sequência de cenas onde os prazeres do sexo e da comida se misturam. Na melhor delas, a prostituta está comendo um prato de massa ao suco, enquanto é comida por Raimundo Nonato. Suas feições expressam um prazer incomensurável, mas é impossível dizer qual das sensações está mais gostosa.

“Estômago” é fantástico para pensar as trajetórias de dois sujeitos sociais que se encontram no universo urbano e se relacionam – dando de comer um ao outro. A efemeridade desta relação associada à individualidade dos personagens permite refletir sobre vários pontos presentes no debate antropológico sobre o mundo urbano. O fim da relação do casal é um dos pontos mais quentes do filme, mas deste eu não vou falar. Fica a indicação e o suspense sobre o final...

O mais curioso disso tudo é que mesmo acompanhando os lançamentos nacionais bem de perto, nunca ouvi falar em “Estômago” até o momento em que foi anunciado no Canal Brasil. O filme ganhou dezenas de prêmios, nacionais e internacionais, mas pelo visto ficou pouquíssimo tempo nas telas. Por que será que o cinema brasileiro, exceção feita às comédias, atrai pouco público? É uma questão de matar.