Quem sou eu

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Sou um antropólogo brasileiro especializado em temas educacionais. Meus trabalhos focalizam as relações existentes entre a educação escolar e outras esferas da vida social. Atualmente, desenvolvo pesquisas sobre estratégias familiares e projetos de escolarização nas camadas populares das cidades do Rio de Janeiro e Petrópolis, ambas no Brasil. A abordagem inclui reflexões sobre a educação básica e o ensino superior. O debate sobre a construção social das juventudes é privilegiado porque permite interpretações refinadas sobre as relações entre educação escolar e expectativas de futuro. Trabalho no Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ onde ensino antropologia e sociologia da educação, além de orientar estudantes interessados no debate entre ciências sociais e educação.

sábado, 18 de abril de 2020

“Onde que eu fui parar, aonde é esse aqui?”


 O conteúdo desse post também está disponível em formado podcast, no link:


           A pergunta que dá título a esse post não é minha. É do Arnaldo Antunes. Ele é um dos músicos mais admiráveis do Brasil contemporâneo. Desde a época dos Titãs, eu sempre o via como uma das principais artérias do grupo. A outra era o Nando Reis. Depois, ambos seguiram brilhantes carreiras solo. São abordagens estéticas e musicais muito diferentes e, na minha leitura, bem complementares.
            A pergunta que dá titulo ao post abre a letra da música “longe”, composta pelo Arnaldo, junto com o Marcelo Jeneci da Silva e o Roberto Aguiar de Oliveira. É uma letra intimista, que apresenta um diálogo do eu lírico com seus sentimentos mais profundos. Perguntas como “Onde foi parar?” “Onde é esse lugar?” E outras que embalam um mergulho intenso na subjetividade individual em relação com o mundo externo.
            Hoje pela manhã, enquanto ouvia essa música, fiquei pensando no novo mundo que se descortina para todos nós. Não sabemos exatamente como viemos parar aqui. Mas temos certeza de que continuaremos por um bom tempo. A balada parece triste, solitária, melancólica. E realmente é, em alguns aspectos; mas também motiva um mergulho em nós mesmos, em nossas subjetividades e na solidão. Por que não? Toda a reflexividade que brotará desse mergulho vai nos ajudar a entender onde estamos, e para onde desejaremos ir depois que o pior passar.
Deixo vocês com a música, em uma versão do CD “ao vivo lá em casa”:



terça-feira, 7 de abril de 2020

A janela, o COVID-19 e um mundo novo para interpretar

Olá,
Esse post também está disponível em formato podcast. Caso prefiram, é só clicar no link.

https://soundcloud.com/rodrigo-rosistolato/200407_007a

Seguimos com o texto:

Existe uma regra elementar para quem deseja estudar e fazer antropologia. É preciso observar. Há dezenas de debates acadêmicos sobre o que é, afinal, a observação etnográfica. Parece um nome pomposo, misterioso, ao ponto de alguns pesquisadores fugirem dele. Mas não é tão complicado assim.

Qualquer antropólogo que se prese precisa estar atento ao comportamento dos outros. Em campo, ele tem que buscar entender o que os outros estão fazendo, e também o que estão pensando sobre o que fazem. Além disso, o mundo interno do antropólogo também precisa ser objeto de reflexão. Esse olhar antropológico demanda atenções diversas e foco em mosaico. É fundamental observar cada peça, mas olhar para o cenário inteiro também.

No início do treinamento antropológico alguns estudantes ficam assustados, e até felizes quando descobrem que não é necessário ser etnógrafo para ser antropólogo. Outros, como foi o meu caso, ficam encantados com o desafio de viver a vida com as pessoas que você está pesquisando e separar analiticamente cada momento dessa vivência para produzir uma abordagem propriamente antropológica.

Parece bem difícil, mas com o tempo vira um tipo de vício. No segundo ano da graduação eu passei a me perceber vivendo dentro e fora dos cenários de sociabilidade que eu frequentava. Ao mesmo tempo em que curtia uma noite na Lapa, por exemplo, passava boa parte do tempo olhando para o comportamento das pessoas, tentando compreender as ações ritualizadas, separando neófitos e veteranos naquele espaço, ensaiando níveis de previsibilidade nos contextos já familiares, buscando caminhos compreensivos para as ações das pessoas que ali estavam e, principalmente, conversando com todo mundo.


As conversas, isso é importante dizer, por vezes eram mais monólogos do que conversas em sentido estrito. O antropólogo precisa ouvir atentamente o que cada pessoa tem a dizer sobre o ambiente e sobre as atividades ali realizadas. Se as falas causam estranhamento, quanto melhor. Sem estranhamento não há antropologia. Essa é a primeira lição que qualquer aprendiz precisa aceitar.

Até ai é bê-a-bá antropológico, mas eis que surgem novas peças nesse tabuleiro: o COVID-19 e o isolamento social! Antropólogo isolado em casa é um caso sério. Vai fazer o que da vida? Vai observar o que? Vai compreender as ações de quem? Não tem jeito. A única solução possível é correr para a janela. Ou melhor, para as janelas.

Eu tenho frequentado quatro janelas simultaneamente. A da sala, a da TV, a do computador e a do celular, não necessariamente nessa ordem, e nem cada uma delas em separado. Gosto de todas, mas não no mesmo grau. Minha predileta é a da sala. Nela, observo a rua outrora movimentada e agora silenciosa, quase sepulcral à noite.

Durante o dia, o mundo ainda gira um pouquinho. As pessoas andam para lá e para cá, caminham com seus cães, compram alimentos, trabalham e se relacionam. É interessante observar que o COVID-19 passou a conviver com todos nós. Ninguém quer a presença dele, mas ele insiste em ficar. Uma das cenas que observei foi curiosa. Duas pessoas caminhavam com seus cães e cruzaram uma o caminho da outra. Não deram bola para esse encontro, até que seus cães se curtiram e quiseram se aproximar. Daí, tensão evidente. Eles não sabiam se deixavam os cães chegarem perto um do outro e trocar uns carinhos ou se seguravam suas coleiras impedindo qualquer contato. Por isso, ficaram ali, naquela dúvida. 

Quem era o quinto elemento da história? Ele! COVID-19. Dois seres humanos, dois animais e um vírus em pleno relacionamento em frente à minha janela. Incrível! O maior problema é que o vírus não falava nada, e não falará. Ele é onipresente, mas não se manifesta a não ser em silencio. Nesse caso específico, cada um seguiu com seu cão e seu COVID-19 a tiracolo, sem trocar nenhuma palavra.

Ué, mas eles estavam contaminados? Essa é a grande questão e a que menos importa. Tanto faz se estavam contaminados ou não. O COVID-19 estava ali, orientando as relações entre aquelas pessoas e aqueles animais; e o melhor que elas fizeram foi aceitar a presença dele e seguir em frente, sem toques, carinhos, abraços e trocas de telefones. Isso tudo elas deixaram para depois que o COVID-19 for embora. Uma das vantagens da antropologia é a certeza sobre certo grau de regularidade nos comportamentos humanos. Duas pessoas, no mesmo bairro, andando com seus cães em um determinado horário. É muito provável que se encontrem novamente, pós-COVID-19 e possam fazer tudo o que deixaram de fazer nesse encontro. Estou torcendo para isso, principalmente para os cães que se amaram.

Em síntese, o novo mundo está posto e temos que conviver com ele. Vale a pena abrir mão dos contatos físicos agora para que tenhamos muitos outros mais tarde. As janelas ajudam muito. Aquela invenção antiga que vínhamos usando cada vez menos também ajuda: o telefone (usado para falar, é claro!).

Para os antropólogos, o universo das interações está vivíssimo. É só reconfigurarmos o nosso olhar para o que há de novo, inclusive no mundo on line, e continuarmos observando as janelas em mosaico. Para quem quer aprender a observar, o momento também é ótimo!

Vamos aproveitar o novo mundo para aprender a viver nele!