O
texto a seguir é o resumo do trabalho selecionado para o
encontro da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais – ANPOCS/2012.
Foi escrito em parceria com a antropóloga Ana Pires do Prado. É o
resultado de um esforço coletivo, desenvolvido no LaPOpE - Laboratório de
Pesquisa em Oportunidades Educacionais. Os professores Marcio da Costa e
Mariane Koslinski também colaboraram diretamente com este trabalho. A pesquisa
inicial foi proposta por eles.
O
trabalho completo será apresentado no evento e estará disponível para consulta,
leitura e impressão. Parta quem não conhece a ANPOCS, o site é http://www.anpocs.org.br/portal/.
Vamos ao texto:
Em
2011 realizamos 54 entrevistas com pais de estudantes de escolas públicas da
cidade do Rio de Janeiro. Em uma delas, uma mãe afirmou: “Eles não querem
crianças tipo daquela ´inclusão social`”. Ela fazia referência à uma escola
pública que possuía critérios estipulados pela direção para escolher os seus
alunos. Essa entrevista indica que as famílias escolhem as escolas para seus
filhos a partir de determinados fatores e que o acesso à vaga, em alguns casos,
depende dos critérios determinados pelas escolas, rompendo com a ideia de oferecimento
universal e equânime de oportunidades educacionais.
A situação descrita ocorreu durante o
trabalho de campo de um survey sobre
a distribuição de oportunidades educacionais no Rio de Janeiro. O trabalho faz
parte da pesquisa “O Funcionamento de Quase-Mercados Educacionais e a
Segmentação Escolar” proposta pelos sociólogos Marcio da Costa e Mariane
Koslinski. Insere-se, portanto, nos debates sobre desigualdades educacionais
com foco na hierarquização e estratificação de escolas nos sistemas municipais
de educação.
Inicialmente, o survey foi proposto com o objetivo de obter informações
quantitativas sobre as escolhas feitas pelas famílias, com foco nos critérios
que as orientam e nas estratégias utilizadas para o acesso às escolas. A
pesquisa apresentava uma abordagem metodológica inovadora. Incluía, ao final do
questionário, uma questão geral que deveria ser gravada.
Os primeiros questionários indicaram que
a gravação tornara-se importante porque os entrevistados apontavam detalhes dos
processos de escolha e acesso às escolas. Os entrevistados também citavam
informações relevantes enquanto respondiam às questões objetivas, mas estas
informações não eram registradas porque o foco estava no questionário. Decidimos
gravar todo o encontro de pesquisa e reconstruímos metodologicamente a
investigação. Propusemos que os aplicadores trabalhassem em duplas e
realizassem observações etnográficas durante os encontros de pesquisa. Foi
necessário realizar um treinamento, que contribuiu para a reflexão sobre a
prática antropológica e a “grafia” etnográfica. O resultado foi a ampliação do
diálogo entre as abordagens antropológica e sociológica e, principalmente, o
refinamento das análises empreendidas.
Nesse trabalho temos dois objetivos: (i) descrever a organização da rede municipal de
educação da cidade do Rio de Janeiro, principalmente o remanejamento de alunos
do primeiro para o segundo segmento do ensino fundamental; (ii) apresentar os processos
utilizados pelos agentes sociais que interagem em situações de escolha e
disputa por vagas no ensino fundamental, utilizando os dados obtidos com as
entrevistas e com as observações etnográficas.
A
rede municipal do Rio de Janeiro tem uma peculiaridade: a maioria de suas
escolas não oferece o ensino fundamental completo. Em geral as escolas oferecem
um dos segmentos do ensino fundamental. Essa situação faz com que os alunos
tenham que mudar de escola após os cinco primeiros anos de escolarização. Esse
processo é denominado na rede de remanejamento. Até 2011, os pais escolhiam
três escolas em ordem de prioridade e os filhos eram alocados em uma delas. Em 2011, os pais
puderam escolher cinco escolas. A lista tríplice passou a ser lista quíntupla.
Nossos entrevistados, no entanto, trocaram de escola em 2009 e preencheram a
lista tríplice.
Em
todos os casos, os familiares precisam escolher as escolas que desejam para os
filhos. A análise das entrevistas permitiu propor uma tipologia para a
interpretação dos processos de escolha de escolas. Há três tipos de escolha: (i) Escolha com
a utilização exclusiva da burocracia municipal (escolha dirigida), que
corresponde a processos de escolha em que os pais não tiveram atuação direta na
eleição da escola. São casos em que os familiares acatam à indicação realizada
pela burocracia municipal para escolher a escola. Como consequência, os filhos
têm acesso às escolas escolhidas para eles pela própria burocracia das escolas
em que estudavam durante o primeiro segmento, (ii) Escolha com a utilização de
relações pessoais na burocracia municipal, situação em que os pais consultaram
suas redes de solidariedade/relações pessoais dentro da burocracia municipal
para a orientação de suas escolhas e (iii) Escolha com a utilização de relações
pessoais externas à burocracia municipal. Este tipo corresponde aos processos
de escolha em que os pais consultaram suas redes de solidariedade/relações
pessoais externas à burocracia municipal.
Também identificamos três estratégias de
acesso: (i) Acesso com a utilização exclusiva da burocracia municipal, que corresponde
aos processos de matrícula em que os pais, após escolherem a escola desejada,
iniciam o processo de acesso utilizando exclusivamente a burocracia municipal,
(ii) Acesso com a utilização da burocracia e das relações pessoais, situação em
que os pais, após escolherem a escola desejada, iniciam o processo de acesso
utilizando redes de solidariedade/relações pessoais com pessoas da própria
burocracia municipal ou com pessoas que os conectam à burocracia municipal para
o início do processo de matrícula na escola desejada e (iii) acesso com a
utilização exclusiva de redes de relações pessoais, que corresponde aos
processos de matrícula em que os pais, após escolherem a escola desejada, iniciam
o processo de acesso utilizando, exclusivamente, suas redes de
solidariedade/relações pessoais fora da burocracia municipal.
Os resultados e análises, embora
preliminares, são expressivos e nos permitem
ampliar o debate sobre a relação
das camadas populares com a escolarização em um sistema estratificado. Os dados apontam que as redes sociais presentes no
campo de possibilidades de cada família tendem a orientar as escolhas e os
acessos às escolas, principalmente as mais prestigiadas, o que influencia
diretamente a qualidade da formação escolar dos estudantes e desafia o ideário
republicano de oferecimento universal e equânime de oportunidades educacionais.