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Sou um antropólogo brasileiro especializado em temas educacionais. Meus trabalhos focalizam as relações existentes entre a educação escolar e outras esferas da vida social. Atualmente, desenvolvo pesquisas sobre estratégias familiares e projetos de escolarização nas camadas populares das cidades do Rio de Janeiro e Petrópolis, ambas no Brasil. A abordagem inclui reflexões sobre a educação básica e o ensino superior. O debate sobre a construção social das juventudes é privilegiado porque permite interpretações refinadas sobre as relações entre educação escolar e expectativas de futuro. Trabalho no Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ onde ensino antropologia e sociologia da educação, além de orientar estudantes interessados no debate entre ciências sociais e educação.

domingo, 29 de abril de 2012

O frio dos Cariocas e o frio do Brasil


Hoje, para os padrões cariocas, está frio. Talvez até muito frio. Para os cariocas, não há nada mais estranho no Rio de Janeiro do que o frio. Eu não sou carioca e quase tenho vergonha de dizer isso por aqui, mas gosto do frio. Minha mulher quase me mata quando digo isso porque ela, carioca da gema, já está com todas as janelas fechadas para que o frio não a ataque e acabe com toda sua "carioquidade". 

 

Talvez um dos melhores elementos orientadores da cultura carioca seja o sol e o calor que ele proporciona. Se domingo for dia de sol é dia de ir para a praia, tomar um chope, conversar com amigos, caminhar na orla, visitar as paineiras, ficar de bobeira... Se não for dia de sol, ao contrário, o mundo acaba para os cariocas e não se faz nada disso. 

 

Fiquei pensando nestas questões porque acabei de ler um artigo do Vitor Ramil chamado “A estética do Frio”. Para quem não o conhece, Vitor Ramil é um compositor, cantor e escritor gaúcho. Ele escreveu este texto como uma viagem introspectiva à sua própria identidade gaúcha. Ele diz que o frio define os gaúchos para o resto do Brasil e que, como causa e consequência, também define o gaúcho para o próprio gaúcho. O artigo completo está disponível em: http://minerva.ufpel.edu.br/~ramil/vitor/estfrio.htm

 

Este artigo veio como dom em um circuito de reciprocidade que tenho desenvolvido com meu amigo Luiz Colatto. Colatto também é um homem do sul e, nesta lógica, assim como Vitor Ramil, é um homem do frio. Agora fora do sul, ele estranha quando se apresenta como um homem do sul e todos, imediatamente, dizem que faz muito frio lá, mesmo aqueles que nunca foram ao Sul. Ponto para o Vitor Ramil! O frio define os gaúchos para o resto do Brasil e eu diria que define todas as pessoas que vivem no sul. A representação é maior até mesmo que os gaúchos. 

 

Confesso que quando fui pela primeira vez a Porto Alegre estava buscando o frio. E o encontrei! Mas não era um frio tão frio assim. O inverno de Petrópolis não fica tão atrás. Para meus colegas que estavam no mesmo congresso, pelo contrário, o frio era o frio mais frio do mundo. Todos estavam com gorros, cachecóis, botas de couro, casacos e mais casacos. Além disso, reclamavam o tempo todo porque estavam no frio, mas também estavam felizes por isso. 

 

Esta conversa sobre a relação dos homens com as intempéries da natureza é uma das pedras de toque da antropologia. Marcel Mauss foi um dos pioneiros quando analisou as variações sazoneiras das sociedades esquimó e identificou que dois povos que viviam no frio se relacionavam com ele de maneira diferente. O ponto trazido por Mauss é preciso: os homens se relacionam com a natureza em um tipo de interação nada mecânica. Simbolizam o frio e o calor e os transformam em elementos integrantes de sua identidade cultural. 

 

Os cariocas se opõem aos gaúchos. Os gaúchos são "homens do frio" e os cariocas, "homens do calor". O mais curioso nesta história é que a gente sempre esquece que os cariocas também lidam com o frio e que os gaúchos também têm verão.  Mesmo assim, talvez possamos dizer que o verão define os cariocas na mesma medida em que o inverno define os gaúchos. Os cariocas, agora, como minha mulher, fogem do frio, fecham as janelas e resguardam sua “carioquidade” à espera do verão. Para os gaúchos, ao contrário, é hora de expandir toda sua “gauchidade”. Vale a pena observar as cidades nestes momentos. No Rio, acreditem, há cachecóis e tocas pelas ruas. Você já usou um cachecol no Rio? Eu não! Afinal, sou serrano e tenho um pacto simbólico com os “homens do frio”. 

 

Viva o frio!!