Bronislaw
Malinowski é leitura obrigatória em qualquer curso de antropologia, tanto os
que são montados para alunos de ciências sociais quanto aqueles oferecidos para
estudantes de outras áreas. O autor é usado como exemplo de pesquisa de campo
intensiva, o que envolve problematização, organização, escrita e,
principalmente, treinamento do olhar.
Semana
passada, participei de uma atividade que envolveu professores, estudantes de
graduação e docentes da educação básica. O objetivo era discutir a proposta
metodológica apresentada por Malinowski e iniciar um treinamento em pesquisa
qualitativa, com ênfase na abordagem etnográfica.
Foi um
momento interessante porque aqueles que ainda não conheciam o trabalho de
Malinowski tiveram a oportunidade de apresentar as questões que a leitura do
texto “Objetivo, método e alcance desta
pesquisa[1]”
despertou. Foram muitas questões, principalmente relacionadas ao famoso recurso
narrativo: “Imagine-se...”. Malinowski diz: “Imagine-se de repente desembarcado, rodeado por todo o seu equipamento,
só, numa praia tropical próxima a uma aldeia nativa, enquanto a lancha ou bote
que o trouxe se afasta até desaparecer no horizonte (...)”.
A ideia é
transportar o leitor para o primeiro momento em que o antropólogo se depara
diretamente com o campo; um momento importante para a definição do profissional
que decide fazer antropologia. Ele convida o leitor para um encontro objetivo
com a cultura Trobriand e, simultaneamente, para um encontro subjetivo com o
antropólogo que, naquele momento, estuda os Trobriand.
Quem
parece mais com quem? O leitor pode se sentir identificado com as alegrias e agruras
vividas por Malinowski, mas também pode sentir empatia pela cultura das Ilhas Trobriand.
O recurso “Imagine-se...” neste caso, permite que o leitor passeie pelo texto
malinowskiano como quem passeia por um texto literário. É claro que há diferenças
e distâncias significativas entre o texto literário e o texto antropológico,
mas... em ambos os casos o autor precisa contar uma história par um leitor
desconhecido.
No bate-papo
com os professores da educação básica, as identificações mais frequentes ocorreram
entre eles e Malinowski. A justitifcativa pode estar no fato de eles terem lido
apenas o capítulo que fala do método. Neste, os nativos das Ilhas Trobriand
aparecem, mas muito pouco. Mas há outras leituras possíveis: os professores
imaginaram a situação, se colocaram no lugar de Malinowski e pensaram no que
fariam neste contexto.
O recado
final do texto de Malinowski é: a antropologia precisa compreender o mundo com
base na perspectiva do outro. Encontrar e analisar o “ponto de vista do nativo”
passou a ser, a partir de Malinowski, a principal obsessão dos antropólogos. Ela
tem nos guiado, inclusive, na antropologia urbana onde há a ilusão inicial de
que os outros não são tão outros assim.
O recado
final da atividade que desenvolvi com os professores é: quando levamos o
recurso “Imagine-se...” às últimas consequências, podemos aplicar a proposta
malinowskiana à leitura do próprio texto de Malinowski. De certa forma, quando
os professores simpatizaram com Malinowski o fizeram porque estavam respeitando o
ponto de vista de Malinowski sobre aquele mundo que ele próprio apresentava aos
seus leitores.
E você, o
que acha disso? Deixe seu comentário.
Um detalhe: recebi alguns e-mails onde leitores reclamavam da necessidade de identificação para a postagem de comentários. Atendendo a pedidos... liberei as postagens. Não há necessidade de identificação.
[1]
Publicado em GUIMARÃES, A. Z. Desvendando Máscaras
Sociais. Rio de Janeiro: Livraria Francisco Alves, 1980.