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Sou um antropólogo brasileiro especializado em temas educacionais. Meus trabalhos focalizam as relações existentes entre a educação escolar e outras esferas da vida social. Atualmente, desenvolvo pesquisas sobre estratégias familiares e projetos de escolarização nas camadas populares das cidades do Rio de Janeiro e Petrópolis, ambas no Brasil. A abordagem inclui reflexões sobre a educação básica e o ensino superior. O debate sobre a construção social das juventudes é privilegiado porque permite interpretações refinadas sobre as relações entre educação escolar e expectativas de futuro. Trabalho no Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ onde ensino antropologia e sociologia da educação, além de orientar estudantes interessados no debate entre ciências sociais e educação.

domingo, 13 de maio de 2012

Os pobres e a escola


Sou antropólogo e ministro aulas de sociologia e antropologia da educação. Em ambas, procuro trabalhar para a construção do “olhar relativizador”.  Todos os meus alunos são incentivados a descrever situações abrindo mão de adjetivos e advérbios de intensidade. O objetivo é impedir que os escritores apresentem realidades para os leitores que existem apenas na cabeça de quem faz a narração. 

Para aprender a descrever, os estudantes precisam levar a lição de Durkheim às últimas consequências. É preciso abandonar “pré-noções” e “juízos-de-valor” buscando uma análise o mais neutra possível. Na sequência, os estudantes aprendem que um escritor experiente pode disfarçar todos os seus preconceitos em um texto descritivo abandonando, inclusive, quaisquer adjetivos e advérbios de intensidade. Neste momento eles percebem que as questões são mais complexas. 

A questão posta é a seguinte: para aprender a escrever é fundamental saber ler um certo tipo de leitura. Qual seja: uma leitura que busque abandonar as lentes que fazem com que vejamos a realidade com base em uma única e limitadora perspectiva. A base para o início do trabalho é abandonar a tentação de ler a vida como ela está posta em nossas cabeças e buscar a vida que está na cabeça dos outros, valorizando o “ponto de vista nativo” relacionado às situações analisadas. 

Quando utilizo estes exercícios em aulas relacionadas aos processos de segmentação presentes nos sistemas escolares provoco os estudantes pedindo que expliquem o baixo desempenho dos alunos em áreas de baixo nível sócio econômico. Peço que falem, apresentem sua visão pessoal, utilizem os autores já discutidos para pensar sobre a questão e busquem análises neutras. 

Há, nestas aulas, um fenômeno curioso. Em todas elas os “pobres” ou as “classes populares” são pensados como uma grande massa homogênea. Falas como “não dá pra esperar que uma criança pobre tenha o mesmo desempenho de uma criança de classe média”, “é necessário entender que as famílias pobres têm baixas expectativas educacionais”, “não podemos esquecer que o contexto em que as crianças são criadas influencia a relação que elas desenvolvem com a escola”, “os pobres acabam aceitando qualquer escola para os filhos” aparecem em todos os debates. 

De início, incentivo as falas, instigo debates e, curiosamente, os estudantes tendem a concordar que a relação que os mais pobres desenvolvem com a escola é uma relação de submissão aos desígnios da própria escola. Importante indicar que não trabalho somente com estudantes de classe média. Há, principalmente nas licenciaturas, número significativo de estudantes oriundos das classes populares. 

Depois desta tempestade de ideias, critico todas as falas e apresento os dados da pesquisa que estou realizando. O objetivo da investigação é mapear e analisar as justificativas de escolha e as estratégias de acesso utilizadas por pais e responsáveis que desejam ou precisam matricular os filhos no sistema municipal de educação do Rio de Janeiro. Neste momento, os estudantes descobrem que as famílias populares devem ser pensadas no plural. Há famílias com baixas expectativas educacionais que, de fato, aceitam os desígnios da escola. Porém, também existem famílias que conhecem e reconhecem a qualidade das melhores escolas da rede municipal e utilizam todas as estratégias presentes em seus campos de possibilidades para matricular os filhos nestas escolas. Há pais que buscam ajuda na burocracia municipal, que passam o ano inteiro visitando as escolas e acompanhando seus filhos, que buscam publicações sobre desempenho escolar e que, principalmente, incentivam seus filhos a dar o melhor de si para a escola. 

Depois que apresento os dados, os alunos pedem a palavra novamente e começam a contas dezenas de histórias de famílias populares que se esforçaram para conseguir vagas nas melhores escolas. Ao final destas aulas, alguns estudantes me procuram individualmente para contar suas histórias e o papel de seus pais. Já ouvi muitos relatos e todos indicam que se não fosse pela insistência de seus pais durante a educação básica, eles não teriam estudando em escolas publicas de qualidade e, como consequência, em sua visão, não estariam na UFRJ.

Estes exercícios permitem perceber a força de representações coletivas que associam pobreza material a baixo desempenho escolar e expectativas negativas relacionadas aos processos educacionais. Quando problematizamos estas classificações percebemos que os pobres são plurais e que também há, entre os pobres, alto desempenho e expectativas positivas sobre a escola e a capacidade de seus filhos. 

E você, conhece alguma historia de sucesso escolar nos meios populares?