Semana passada meu grupo de pesquisa discutiu um texto sobre as juventudes pobres. Ele foi escrito por um grupo de pesquisadores e tem como autor principal o Robert McDonald, um professor de Educação e Justiça Social do Huddersfield Centre for Research in Education and Society (HudCRES), da University of Huddersfield. Tracy Shildrick, Colin Webster e Donald Simpson são co-autores do artigo. Na época em que foi escrito todos estavam na University of Teesside.
O titulo do artigo é
bastante sugestivo com relação à proposta. Chama-se “Growing Up in Poor
Neighbourhoods: The Significance of Class and Place in the Extended Transitions
of ‘Socially Excluded’Young Adults”. As referências completas seguem-no final
do post.
Os autores apresentam uma
pesquisa qualitativa longitudinal realizada com jovens europeus durante os períodos
de transição entre a escola e o trabalho. São jovens pobres, que cresceram em
zonas e ambientes pauperizados em termos materiais e estão transitando progressivamente
da heteronomia infantil para a autonomia trazida pela chegada ao mundo adulto.
O texto apresenta dados
importantes da pesquisa e lança um argumento central. Qual seja: de que jovens
que nascem e crescem em comunidades pauperizadas podem vir a negar
oportunidades de mobilidade social para si mesmos por conta da força dos laços
que desenvolveram com suas comunidades durante toda a vida. Não bastaria,
portanto, que a sociedade oferecesse oportunidades educacionais. Ela teria
também que, em certa medida, preparar os jovens para os custos – afetivos, psicológicos
e simbólicos – trazidos quando da opção individual pelo uso dessas oportunidades.
A vida comunitária – como
as ciências sociais já demonstraram largamente – cria uma série de coisas. Dentre
elas, duas são principais: o senso de pertencimento e a segurança subjetiva
trazida pela permanência na zona de conforto criada pela socialização na
própria comunidade. Essa regra vale para qualquer comunidade, inclusive as
localizadas em zonas pauperizadas como aquelas que foram estudadas por McDonald.
Os relatos dos jovens são singulares com relação a isso. Eles identificam todos
os problemas presentes em suas comunidades, mas indicam que são problemas
conhecidos e sob os quais eles têm algum nível de controle. Por isso, viver
naquela localidade é ruim e muito bom. É ruim porque há problemas e muito bom
porque eles estão seguros mesmo em meio àquele conjunto de problemas.
As falas dos jovens,
homólogas àquelas anunciadas por vários jovens que entrevistei no Brasil,
apontam o quanto é difícil mergulhar e um processo de individuação enquanto
toda a cultura na qual foram socializados é orientada pelo contrário: por
existências coletivizadas ao ponto de as individualidades serem reduzidas ao
mínimo.
Os laços simbólicos que
amarram os jovens às suas comunidades por vezes colocam-se como verdadeiras
prisões subjetivas. São subjetivas exatamente porque não há nenhuma grade concreta
os impedindo de romper com o circuito de reprodução daquela cultura coletivista
em direção à uma cultura individualista. Mas embora não sejam concretas, tais
grades os prendem e fazem com que até mesmo sonhos alimentados durante toda a
infância sejam abandonados em prol da vida coletiva, da manutenção do
reconhecimento de pertencimento àquela comunidade e da proteção trazida por
todos os laços materiais e simbólicos ali presentes.
A opção pelo mergulho em
processos de individuação envolve muitas dores e muitas delícias. Há também
culturas que, ao contrário, enfatizam a individuação como o caminho mais
legítimo para a vida adulta e elas também trazem dilemas, principalmente quando
os jovens “prefeririam” a experiência coletiva em detrimento da individual.
Individuação e
coletivização são duas forças divergentes e todos nós traçamos nossos caminhos –
nos limites da individualidade de nossas escolhas – entre uma força e outra,
mais ou menos afetados por uma ou outra. Casamento, parentalidade, trabalho,
educação, migração são fenômenos sociais diretamente afetados pela tensão entre
essas duas forças.
Casar ou estudar? Ter
filhos ou apostar na carreira? Construir uma casa junto aos pais e à família
extensa ou abandonar o bairro onde nasceu e construir uma casa sem laços com a
parentela? Concluir a faculdade (ou a escola) e aposentar o diploma ou
permanecer na luta para reconhecimento no campo profissional para o qual foi
formado? Ou tentar articular dois caminhos aparentemente antagônicos na medida
exata do que é possível fazer?
Todas essas questões
afligem jovens do mundo inteiro e o fato mais concreto é que elas não têm uma
resposta para além dos resultados efetivos trazidos pelas escolhas dos jovens. Não
há nada além de expectativas quando um jovem opta por um ou outro caminho. Seja
lá qual for a opção, em geral ela é pautada por expectativas positivas com relação
ao futuro, mas sempre consideram – em alguma medida – níveis possíveis de
fracasso. O maior problema que se coloca para os jovens que cresceram em comunidades
pauperizadas é que se eles optarem pela individuação as chances de fracasso
sempre parecem maiores. Não são necessariamente, mas parecem. Por outro lado,
se optarem por aquilo que as suas comunidades pensaram para eles, as chances de
sucesso são aparentemente muito maiores exatamente porque o sucesso é
simplesmente a manutenção do reconhecimento e do pertencimento àquela
comunidade. Esse sucesso também não é, necessariamente, garantido, mas é lido
como se fosse. Permanecer junto à família e a comunidade de origem
aparentemente garantirão níveis de sucesso e felicidade individual, mas isso
não é nada além de expectativa.
Qual o preço individual
que você que aguentou essa leitura até aqui está disposto ou disposta a pagar
para mergulhar em um processo de individuação? E o preço para aceitar passivamente
aquilo que sua comunidade quer fazer de você? Em ambos os casos há dores e
delícias.
O mais legal do texto do
McDonald e de tantos outros antropólogos e sociólogos que escreveram sobre essa
temática é perceber que ninguém que passa por esses dilemas está sozinho. São todos
dilemas da juventude e a juventude é vivida coletivamente. Em síntese, por mais
que seu sofrimento subjetivo pareça imenso, tem um jovem ou uma jovem do seu lado
sofrendo em proporção equivalente. E nesse caso, como dizemos aqui no Rio de
Janeiro, sempre vale a pena trocar uma ideia.
Referências completas do
artigo:
Macdonald, R., Shildrick,
T., Webster, C., & Simpson, D. (2005). Growing Up in Poor Neighbourhoods:
The Significance of Class and Place in the Extended Transitions of ‘Socially
Excluded’Young Adults. Sociology, 39(5), 873-891.
https://doi.org/10.1177/0038038505058370