Eu sou um bom abraçador. Gosto sempre de abraçar as pessoas queridas e até mesmo aquelas que acabei de conhecer. Por vezes as pessoas estranham. Afinal, quem é esse cara que mal me conhece e chega me abraçando?!
Há diversos tipos de
abraços, é claro. Desde os mais formais, aqueles em que os corpos mal se
encostam e terminam com batidinhas de mãos nas costas, até aqueles mais
tesudos, em que os corpos se colam e as mãos aproveitam para das uma espiada no
corpo alheio, tentando comprovar o que os olhos já viram ao sentir as texturas
da pele, calores, odores e por aí vai. Enfim, nesse gradiente há dezenas de
tipos de abraços e nós, brasileiros, em geral já provamos de todos eles.
A pandemia trouxe uma
coisa muito esquisita. Agora encontramos pessoas queridas e não as abraçamos. Trocamos
soquinhos com as mãos, damos tchauzinhos, jogamos beijinhos ao ar, fazemos
movimentos meio esdrúxulos com o corpo inteiro sem bem saber como demostrar o
quão felizes nós estamos ao encontrar aquela pessoa.
Eu tenho observado esses
encontros com muita atenção. Outro dia, em uma praça aqui pertinho de casa, duas senhoras se encontraram. Deram um grito e quase pularam uma para cima da
outra. Foi tão interessante observar porque elas fizeram dezenas de movimentos
com seus corpos. Pularam, ergueram as mãos, se auto-abraçaram como se se
abraçassem, jogaram beijinhos, mexeram nos cabelos e aquela dança durou uns
bons segundos. Depois começaram a conversar, falaram dos filhos – que as
proibiam de fazer qualquer coisa além de todos aqueles gestos corporais quando
encontravam alguém na rua – falaram da pandemia, das saudades, da vida “perdida”,
do isolamento. Sim! Eu ouvi tudo! Não me meti na conversa delas, mas elas
falavam em volume considerável e eu apenas fiquei ali sentado e ouvindo o
quanto as senhoras odiavam seus filhos. Elas os odiavam e amavam porque sabiam
que todas aquelas proibições eram simplesmente fruto do cuidado, do carinho e de
um medo danado de perderem suas mães para a COVID.
As duas senhoras são um
exemplo dos muitos encontros que presenciei enquanto observo as nossas ruas
pandêmicas. Por que será que os abraços e o contato corporal nos fazem tanta
falta? É claro que há muito de cultura nisso. Vários antropólogos já
demonstraram o quanto essas interações são marcadas pela cultura. Vejam, por
exemplo, o brilhante artigo escrito por Michel Bozon e Maria Luiza Heilborn – "As carícias e as palavras: iniciação sexual no Rio de Janeiro e em Paris",
disponível aqui: http://www.clam.org.br/bibliotecadigital/uploads/publicacoes/as%20caricias%20e%20asa%20palavras%20q1.pdf
. Eles me ajudam a dizer que há povos mais e menos abraçadores e
acariciadores, tanto no mundo público quanto no universo privado.
De qualquer forma, por
aqui, em geral, gostamos muito de um abraço, de um amasso, de um sarro e
fazemos isso no mundo público e no mundo privado quase sem quaisquer
constrangimentos. Mas agora não podemos, pelo menos não podemos com todo mundo
como fazíamos antes. Ops! Lembrem-se das gradações. Nem todo mundo recebe
abraço formal e nem todo mundo recebe abraço com amasso. Isso varia infinitamente
de pessoa para pessoa e da gramática dos desejos que nos orienta diariamente. Estou
fazendo essa ressalva para não pensarem que vejo o Brasil como o país onde todo
mundo é amassador e sarrador de todo mudo. Eu jamais diria isso! Há muitos e
muitos abraços singelos, fraternos, carinhosos e por aí vai...
Eu espero que essa
pandemia acabe logo para que possamos distribuir abraços aleatoriamente, sem
qualquer restrição, e todos os tipos de abraços. Seja lá qual for o tipo que
você venha a oferecer ou receber, sempre cabe um mundo ali dentro daqueles
braços e corpos emaranhados. Um mundo que dura um instante, mas que nos desloca
das durezas da vida para a plenitude daquele momento.
Enquanto não dá para
abraçar todo mundo, abrace quem dá! Eu vou abraçar todo mundo que ler esse
post, mas por enquanto só virtualmente!
Um abração para todo
mundo!!!