Quem sou eu

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Sou um antropólogo brasileiro especializado em temas educacionais. Meus trabalhos focalizam as relações existentes entre a educação escolar e outras esferas da vida social. Atualmente, desenvolvo pesquisas sobre estratégias familiares e projetos de escolarização nas camadas populares das cidades do Rio de Janeiro e Petrópolis, ambas no Brasil. A abordagem inclui reflexões sobre a educação básica e o ensino superior. O debate sobre a construção social das juventudes é privilegiado porque permite interpretações refinadas sobre as relações entre educação escolar e expectativas de futuro. Trabalho no Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ onde ensino antropologia e sociologia da educação, além de orientar estudantes interessados no debate entre ciências sociais e educação.

sábado, 26 de junho de 2021

O mundo inteiro cabe num abraço

Eu sou um bom abraçador. Gosto sempre de abraçar as pessoas queridas e até mesmo aquelas que acabei de conhecer. Por vezes as pessoas estranham. Afinal, quem é esse cara que mal me conhece e chega me abraçando?!

Há diversos tipos de abraços, é claro. Desde os mais formais, aqueles em que os corpos mal se encostam e terminam com batidinhas de mãos nas costas, até aqueles mais tesudos, em que os corpos se colam e as mãos aproveitam para das uma espiada no corpo alheio, tentando comprovar o que os olhos já viram ao sentir as texturas da pele, calores, odores e por aí vai. Enfim, nesse gradiente há dezenas de tipos de abraços e nós, brasileiros, em geral já provamos de todos eles.

A pandemia trouxe uma coisa muito esquisita. Agora encontramos pessoas queridas e não as abraçamos. Trocamos soquinhos com as mãos, damos tchauzinhos, jogamos beijinhos ao ar, fazemos movimentos meio esdrúxulos com o corpo inteiro sem bem saber como demostrar o quão felizes nós estamos ao encontrar aquela pessoa.

Eu tenho observado esses encontros com muita atenção. Outro dia, em uma praça aqui pertinho de casa, duas senhoras se encontraram. Deram um grito e quase pularam uma para cima da outra. Foi tão interessante observar porque elas fizeram dezenas de movimentos com seus corpos. Pularam, ergueram as mãos, se auto-abraçaram como se se abraçassem, jogaram beijinhos, mexeram nos cabelos e aquela dança durou uns bons segundos. Depois começaram a conversar, falaram dos filhos – que as proibiam de fazer qualquer coisa além de todos aqueles gestos corporais quando encontravam alguém na rua – falaram da pandemia, das saudades, da vida “perdida”, do isolamento. Sim! Eu ouvi tudo! Não me meti na conversa delas, mas elas falavam em volume considerável e eu apenas fiquei ali sentado e ouvindo o quanto as senhoras odiavam seus filhos. Elas os odiavam e amavam porque sabiam que todas aquelas proibições eram simplesmente fruto do cuidado, do carinho e de um medo danado de perderem suas mães para a COVID.

As duas senhoras são um exemplo dos muitos encontros que presenciei enquanto observo as nossas ruas pandêmicas. Por que será que os abraços e o contato corporal nos fazem tanta falta? É claro que há muito de cultura nisso. Vários antropólogos já demonstraram o quanto essas interações são marcadas pela cultura. Vejam, por exemplo, o brilhante artigo escrito por Michel Bozon e Maria Luiza Heilborn – "As carícias e as palavras: iniciação sexual no Rio de Janeiro e em Paris", disponível aqui: http://www.clam.org.br/bibliotecadigital/uploads/publicacoes/as%20caricias%20e%20asa%20palavras%20q1.pdf . Eles me ajudam a dizer que há povos mais e menos abraçadores e acariciadores, tanto no mundo público quanto no universo privado.

De qualquer forma, por aqui, em geral, gostamos muito de um abraço, de um amasso, de um sarro e fazemos isso no mundo público e no mundo privado quase sem quaisquer constrangimentos. Mas agora não podemos, pelo menos não podemos com todo mundo como fazíamos antes. Ops! Lembrem-se das gradações. Nem todo mundo recebe abraço formal e nem todo mundo recebe abraço com amasso. Isso varia infinitamente de pessoa para pessoa e da gramática dos desejos que nos orienta diariamente. Estou fazendo essa ressalva para não pensarem que vejo o Brasil como o país onde todo mundo é amassador e sarrador de todo mudo. Eu jamais diria isso! Há muitos e muitos abraços singelos, fraternos, carinhosos e por aí vai...

Eu espero que essa pandemia acabe logo para que possamos distribuir abraços aleatoriamente, sem qualquer restrição, e todos os tipos de abraços. Seja lá qual for o tipo que você venha a oferecer ou receber, sempre cabe um mundo ali dentro daqueles braços e corpos emaranhados. Um mundo que dura um instante, mas que nos desloca das durezas da vida para a plenitude daquele momento.

Enquanto não dá para abraçar todo mundo, abrace quem dá! Eu vou abraçar todo mundo que ler esse post, mas por enquanto só virtualmente!

Um abração para todo mundo!!!