O
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Faz
pouco tempo que assisti a um documentário sobre o Eduardo Coutinho, chamado
Banquete Coutinho, de 2019. Tratava-se de uma homenagem ao cineasta, que o
colocava do outro lado da filmadora. Ele falou sobre uma série de temas,
citando seus próprios filmes para exemplificar o que dizia. Em um determinado
momento, falou sobre a música e o poder de sedução que ela exerce nas pessoas. Deu
a entender que a música seria mais forte do que o cinema na vida das pessoas e
cantarolou uma estrofe.
Exatamente
nesse momento eu tive um estalo de memória, que me transportou para algo que
vivi faz uns 10 anos, na confeitaria Santo Amaro. Para quem não conhece, essa
confeitaria funciona 24 horas, no bairro da Glória aqui no Rio de Janeiro.
Era
uma sexta-feira. Parei lá por volta das 22h:30m. Eu tinha dado aula à noite,
estava com fome e decidi comprar cervejas e uns petiscos para beber e comer em
casa. Fui ao caixa, paguei e me dirigi ao balcão da lanchonete, onde a
atendente entrega itens como os que eu havia comprado. Parei em pé no balcão e
de repente o mundo inteiro parou. Fiquei com o braço estendido, segurando a
nota do caixa enquanto a menina não se mexia. Olhei para o lado e o taxista que
estava lanchando tinha congelado o sanduiche entre o prato e a boca, como numa cena
de cinema. Olhei ao redor e todos estavam assim, congelados e com os olhos
vidrados na televisão.
Todos
os olhares foram deslocados para a tela quando um violoncelo deu o tom para ele,
Amado Batista, soltar a voz em um de seus clássicos “reclamando sua ausência”,
em versão acústica. Em alguns segundos, irrompe Amado com a primeira estrofe: “eu
sei, foi o amor que fez você me amar. Eu sei, que esse amor, vai fazer você
voltar”. Foi um fenômeno. A padaria inteira parou como se estivéssemos em um
recurso cinematográfico de congelamento. As balconistas, os garçons, o taxista
que comia seu sanduiche, a caixa, as pessoas que estavam na fila da caixa, o
gerente. Todo mundo! Foi como um transe ritual, que durou até Amado reclamar da
ausência da amada. Nesse momento, todos começaram a cantarolar, como se junto com
ele também reclamassem pela ausência de suas e seus amados. “E agora, estou
sozinho reclamando sua ausência..”.
Que
força é essa, pensei! Que poder é esse que emana dessa letra e dessas notas? É
claro que pensei nisso enquanto fazia coro com os outros cantarolantes na
padaria. Pessoas de diversos tipos, trabalhadores de balcão, taxistas,
moradores do bairro que estavam ali para comer e beber, todos juntos. A música
terminou, recebi minhas cervejas e meus petiscos e fui embora com as estrofes
ainda buzinando na minha cabeça.
Ao
lembrar dessa cena urbana, concordei imediatamente com o Coutinho. A música tem
esse poder de sedução e tendo a argumentar que a música popular é mais forte
nesse sentido. São notas simples, com rimas pueris, sem grandes floreios
literários; e sempre voltadas para as nossas emoções mais profundas.
Tristeza,
solidão, saudades de um grande amor são capazes de criar conexões entre pessoas
que não se conhecem e nunca se viram até aquele momento; todas elas mediadas
pela música. Amado Batista é um especialista nesse assunto e junto com vários
outros integra essa grande categoria englobante chamada de Brega. É muito
brega, mas... sempre agrega. O velho Durkheim ajuda a explicar essa força
coletiva que transforma todos nós em um em determinados momentos. Quem nunca curtiu
uma breguice que atire a primeira pedra. Ou melhor: vá curtir. Tenho certeza
que vai gostar. Se quiserem começar por “reclamando sua auência”, a letra está
aqui:
Eu
sei
Foi
o amor que fez você me amar
Eu
sei
Que
esse amor vai fazer você voltar
Espero
Que
a saudade te vá bater no coração
E
quando
Ela
bater vai saber que estou te amando
E
agora estou sozinho reclamando sua ausência
Na
esperança dos bons ventos te soprar
Lembrar
de mim e saber que ainda existo
E
agora estou sozinho reclamando sua ausência
Na
esperança dos bons tempos te tocar
Lembrar
de mim e saber que ainda existo.
E
o vídeo com a versão acústica está aqui:
Boa
breguice no final de semana!