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Sou um antropólogo brasileiro especializado em temas educacionais. Meus trabalhos focalizam as relações existentes entre a educação escolar e outras esferas da vida social. Atualmente, desenvolvo pesquisas sobre estratégias familiares e projetos de escolarização nas camadas populares das cidades do Rio de Janeiro e Petrópolis, ambas no Brasil. A abordagem inclui reflexões sobre a educação básica e o ensino superior. O debate sobre a construção social das juventudes é privilegiado porque permite interpretações refinadas sobre as relações entre educação escolar e expectativas de futuro. Trabalho no Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ onde ensino antropologia e sociologia da educação, além de orientar estudantes interessados no debate entre ciências sociais e educação.

sábado, 23 de maio de 2020

Amado Batista, a breguice e a confeitaria Santo Amaro


O conteúdo desse post também está disponível em formado podcast, no link:


Faz pouco tempo que assisti a um documentário sobre o Eduardo Coutinho, chamado Banquete Coutinho, de 2019. Tratava-se de uma homenagem ao cineasta, que o colocava do outro lado da filmadora. Ele falou sobre uma série de temas, citando seus próprios filmes para exemplificar o que dizia. Em um determinado momento, falou sobre a música e o poder de sedução que ela exerce nas pessoas. Deu a entender que a música seria mais forte do que o cinema na vida das pessoas e cantarolou uma estrofe.
Exatamente nesse momento eu tive um estalo de memória, que me transportou para algo que vivi faz uns 10 anos, na confeitaria Santo Amaro. Para quem não conhece, essa confeitaria funciona 24 horas, no bairro da Glória aqui no Rio de Janeiro.
Era uma sexta-feira. Parei lá por volta das 22h:30m. Eu tinha dado aula à noite, estava com fome e decidi comprar cervejas e uns petiscos para beber e comer em casa. Fui ao caixa, paguei e me dirigi ao balcão da lanchonete, onde a atendente entrega itens como os que eu havia comprado. Parei em pé no balcão e de repente o mundo inteiro parou. Fiquei com o braço estendido, segurando a nota do caixa enquanto a menina não se mexia. Olhei para o lado e o taxista que estava lanchando tinha congelado o sanduiche entre o prato e a boca, como numa cena de cinema. Olhei ao redor e todos estavam assim, congelados e com os olhos vidrados na televisão.
Todos os olhares foram deslocados para a tela quando um violoncelo deu o tom para ele, Amado Batista, soltar a voz em um de seus clássicos “reclamando sua ausência”, em versão acústica. Em alguns segundos, irrompe Amado com a primeira estrofe: “eu sei, foi o amor que fez você me amar. Eu sei, que esse amor, vai fazer você voltar”. Foi um fenômeno. A padaria inteira parou como se estivéssemos em um recurso cinematográfico de congelamento. As balconistas, os garçons, o taxista que comia seu sanduiche, a caixa, as pessoas que estavam na fila da caixa, o gerente. Todo mundo! Foi como um transe ritual, que durou até Amado reclamar da ausência da amada. Nesse momento, todos começaram a cantarolar, como se junto com ele também reclamassem pela ausência de suas e seus amados. “E agora, estou sozinho reclamando sua ausência..”.
Que força é essa, pensei! Que poder é esse que emana dessa letra e dessas notas? É claro que pensei nisso enquanto fazia coro com os outros cantarolantes na padaria. Pessoas de diversos tipos, trabalhadores de balcão, taxistas, moradores do bairro que estavam ali para comer e beber, todos juntos. A música terminou, recebi minhas cervejas e meus petiscos e fui embora com as estrofes ainda buzinando na minha cabeça.
Ao lembrar dessa cena urbana, concordei imediatamente com o Coutinho. A música tem esse poder de sedução e tendo a argumentar que a música popular é mais forte nesse sentido. São notas simples, com rimas pueris, sem grandes floreios literários; e sempre voltadas para as nossas emoções mais profundas.
Tristeza, solidão, saudades de um grande amor são capazes de criar conexões entre pessoas que não se conhecem e nunca se viram até aquele momento; todas elas mediadas pela música. Amado Batista é um especialista nesse assunto e junto com vários outros integra essa grande categoria englobante chamada de Brega. É muito brega, mas... sempre agrega. O velho Durkheim ajuda a explicar essa força coletiva que transforma todos nós em um em determinados momentos. Quem nunca curtiu uma breguice que atire a primeira pedra. Ou melhor: vá curtir. Tenho certeza que vai gostar. Se quiserem começar por “reclamando sua auência”, a letra está aqui:
Eu sei
Foi o amor que fez você me amar
Eu sei
Que esse amor vai fazer você voltar
Espero
Que a saudade te vá bater no coração
E quando
Ela bater vai saber que estou te amando
E agora estou sozinho reclamando sua ausência
Na esperança dos bons ventos te soprar
Lembrar de mim e saber que ainda existo
E agora estou sozinho reclamando sua ausência
Na esperança dos bons tempos te tocar
Lembrar de mim e saber que ainda existo.

E o vídeo com a versão acústica está aqui:


Boa breguice no final de semana!