Quem sou eu

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Sou um antropólogo brasileiro especializado em temas educacionais. Meus trabalhos focalizam as relações existentes entre a educação escolar e outras esferas da vida social. Atualmente, desenvolvo pesquisas sobre estratégias familiares e projetos de escolarização nas camadas populares das cidades do Rio de Janeiro e Petrópolis, ambas no Brasil. A abordagem inclui reflexões sobre a educação básica e o ensino superior. O debate sobre a construção social das juventudes é privilegiado porque permite interpretações refinadas sobre as relações entre educação escolar e expectativas de futuro. Trabalho no Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ onde ensino antropologia e sociologia da educação, além de orientar estudantes interessados no debate entre ciências sociais e educação.

sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Não gostei de Bacurau


Assisti Bacurau e não gostei. Foi estranho sentir isso porque 10 em cada 10 pessoas que eu conheço e respeito também assistiram e fizeram recomendações apaixonadas e explícitas. Só houve uma exceção: meu querido amigo Rodrigo Monteiro, que fez críticas significativas e muito convergentes com as minhas. Daí, fiquei pensando no que teria causado em mim tamanho estranhamento. Há 4 pontos de desencanto de minha parte. Alguns dúbios, inclusive, mas em conjunto explicam a minha decepção.
(i)              Logo nos primeiros minutos me senti em um filme do Glauber Rocha. Gostei da lembrança e considerei uma homenagem àquele que fez do Nordeste um tremendo objeto de reflexão artística e política sobre o Brasil. Embora na contramão em termos estéticos da linha argumentativa perseguida pelo Kleber Mendonça Filho em filmes anteriores, parecia interessante para que pensássemos em quantos nordestes existem no nordeste brasileiro. As tomadas longas do sertão, a quase ausência de diálogos, os silêncios prolongados, os sons do motor do caminhão irrompendo no silêncio da paisagem, tudo muito bonito. Depois, a chegada em Bacurau e as imagens dos citadinos, seus conflitos e disputas; e as fragmentações causadas pela morte de uma das lideranças locais. Tudo sensacional, um convite às minhas memórias cinematográficas, assim como às minhas experiências pessoais no nordeste.
(ii)            A chegada do prefeito em uma cidade que se organiza para se esconder do prefeito. Foi meu primeiro estranhamento. Imaginar uma cidade do interior que foge do diálogo com o prefeito, não negocia, se esconde e se organiza apenas para que todos saibam quando ele está chegando causou-me um tremendo estranhamento. Toda a antropologia política e qualquer experiência no nordeste evidenciam exatamente o contrário. Os nordestinos estão muito acostumados com políticos pilantras e negociam o tempo todo. A população age politicamente com clareza sobre as efetivas possibilidades de seus votos em relação com as demandas individuais e locais. Além disso, foi o primeiro momento em que senti um tom de negação do diálogo e das complexidades envolvidas na política. Um tipo de negação por princípio, que isola os políticos e os coloca como responsáveis individuais pelas mazelas do povo. As instituições e a política institucional são negadas.
(iii)          Os vilões e a resposta de Bacurau. O filme constrói uma mistura entre vilões do norte – os americanos assassinos – e vilões do sul – brasileiros que se acham brancos e divertem-se com a carnificina. É curioso porque a diversão dos vilões do sul dura pouco. São, também eles, vítimas do veneno que começaram a oferecer. Depois disso, ciente do destino que a aguardava, a cidade resiste convocando “Pacote” e “Lunga”. O primeiro, um assassino profissional regenerado, que é convocado a “sujar as mãos” novamente, mas agora pelo bem comum. O segundo, um bandido andrógeno, construído com uma estética que mistura o estilo “gansta rap” com a estética dos nossos conhecidos traficantes brasileiros. Tão exótico que um dos personagens pergunta, assim que Lunga retorna à cidade: “que roupa é essa?”. Outra forma de resistência é o recurso ao forte psicotrópico misterioso que ajuda a transformar pacatos cidadãos em exímios assassinos.
(iv)          Tudo isso junto degringola em uma resistência sem Estado, sem república, sem instituições políticas e sem diálogo. Há uma ode àquilo que a história  classificou como “banditismo social”. A resposta aos invasores e ao prefeito pilantra é simples. Se tentarem nos vender, controlar ou dominar, matamos vocês. Ou melhor: nossos bandidos matarão vocês. É claro que no final o prefeito sobrevive e o líder do grupo americano também, mas é uma sobrevivência discutível. O primeiro é abandonado à própria sorte, seminu no sertão, e o segundo é enterrado vivo enquanto a população – e a plateia da sala em que eu estava – regozijam-se com a cena.

Ainda há outros pontos sobre o meu descontentamento com o filme, mas esses quatro sintetizam meu desconforto. 

Não sou favorável à negação da política, não desejo assassinar e/ou enterrar meus inimigos ainda vivos, não legitimo a ideia do bom bandido e não penso que a política – e os políticos – estão desacreditados ao ponto de terem que ser negados por princípio. Em minha singela opinião, se o Brasil virar Bacurau, estaremos todos definitivamente perdidos.


segunda-feira, 1 de julho de 2019

A Universidade na alça de mira

No dia 28 de junho eu tive o prazer de participar de um evento do Programa de Aperfeiçoamento de Ensino, do Instituto de Química de São Carlos (IQSC), da USP-São Carlos. Foi um convite de um amigo muito querido, Antônio Burtoloso, e da comissão organizadora. Proferi uma palestra com o sugestivo título: “A Universidade na alça de mira”. Durante mais de duas horas discutimos as ondas de pensamento contrário à Universidade e o anti-intelectualismo que tem sido cada vez mais espraiado pelo Brasil. Quem desejar saber o que eu, e o público da USP-São Carlos, pensamos sobre a temática, pode assistir o vídeo disponível em:


domingo, 19 de maio de 2019

Partido Alto, Candeia e Leon Hirszman





“O partido alto é a expressão mais autêntica do samba”
Mestre Candeia

E será o samba a expressão mais autêntica do Brasil?

Não vou entrar nessa querela antropológica. É só uma pergunta sem resposta final, mas com centenas de respostas parciais já desenvolvidas por bons antropólogos no Brasil.

O motivo desse post não é discutir teoria antropológica sobre samba, música popular ou algo assim. A ideia é falar sobre o acaso. Ontem, por indicação de minha amiga Maria Muanis, fui ao youtube para buscar uma entrevista do Pierre Bourdieu. Ela disse que eu precisava dar atenção a essa entrevista por conta de minhas pendengas pessoais com o Bourdieu e, principalmente, porque ajudaria no argumento de um artigo que estamos escrevendo.

Fiz o dever de casa, assisti a entrevista e depois passeei um pouquinho pelo youtube.

Eis que encontro uma pérola. Um vídeo documentário chamado “Partido Alto”, produzido e dirigido pelo Leon Hirszman na década de 80 do século passado. Um documento histórico sobre o samba, especificamente o samba de partido alto, e todo ambientado no universo do mestre Candeia. Leon Hirschman foi um cineasta com um olhar antropológico refinado, direcionado para as manifestações da “cultura popular” e seus diversos entrelaçamentos no debate sobre a “cultura nacional”. O Paulinho da Viola, outro bamba do samba e da cultura popular colaborou diretamente nesse documentário. 

Depois que assisti aos dois vídeos em sequência, fiquei pensando em um diálogo entre Candeia e Bourdieu, especificamente sobre a questão da cultura. Certamente daria o que falar e, quem sabe, Bourdieu até poderia dançar, um bom samba de partido alto. Quem sabe até um miudinho! 

O link da Pérola produzida pelo Leon Hirszman é esse aqui:



terça-feira, 30 de abril de 2019

A rotina de um funcionário público inútil



Eu demorei um pouco para entender, mas agora caiu a ficha definitivamente. Eu sou um homem inútil e o que eu faço para viver e existir não tem importância para a nova/velha sociedade brasileira. Agora que compreendi definitivamente qual foi a identidade a mim imputada pelo atual governo, decidi aceita-la e ressignificá-la. Afinal, ser um inútil tem lá suas vantagens. Ninguém espera nada de você e, por isso, é possível fazer coisas criativas e até um pouco ousadas. Ao mesmo tempo, penso que é importante que a sociedade conheça a rotina daqueles que hoje, como eu, são classificados como inúteis. Por isso, decidi apresentar minha rotina aqui.
Agora são 23h:55m e eu estou trabalhando desde 8h:30m. Já faz algum tempo que me acostumei com essa rotina e com uma carga reduzida de horas de sono. Em geral, deito após as 2h:00m da manhã e sempre levanto entre 8h:00m e 9h:00m. É interessante porque sempre durmo e acordo no mesmo dia. Em geral, as pessoas dormem em um dia para acordar no outro, mas eu já me acostumei com isso e vivo assim todos os dias, inclusive nos finais de semana. Daí meu dia foi o seguinte: às 8h:30m eu estava com o computador ligado, terminando de corrigir um texto que vou encaminhar para uma revista e está quase no prazo. Eu dormi com esse artigo e acordei com ele. É necessário porque a revista não pode me esperar. Depois disso, segui para a Universidade onde encontrei uma aluna de mestrado, excelente por sinal, que precisava conversar comigo sobre o trabalho de campo que está realizando. É uma dissertação sobre a relação de professoras com crianças pobres na educação infantil. Após a conversa eu voltei para casa porque eu precisava de um material que estava no computador de casa para enviar para outra aluna, de graduação, também excelente, que está fazendo uma etnografia em uma escola pública. Trocamos algumas mensagens durante o dia e ela precisava do material. Aproveitei o restante do tempo para retomar a organização do próximo número da Revista Contemporânea de Educação. Eu sou editor chefe e é minha responsabilidade publicar a revista até a segunda semana de maio. Na sequência, comecei a corrigir a tese de doutorado de outra aluna excelente, que precisa defender até maio. Estava com essa tese até agora, momento em que resolvi escrever sobre a minha vida inútil. O dia ainda não acabou. Ainda tenho duas coisas para fazer.
Durante esses anos de inutilidade eu fiz o seguinte:
Ø  Concluí 72 orientações de estudantes de graduação e pós-graduação.
Ø  Participei de 137 bancas de trabalhos de conclusão de cursos de graduação, mestrado e doutorado.
Ø  Estive em 23 bancas de concursos e comissões julgadoras.
Ø  Publiquei 27 artigos em revistas acadêmicas.
Ø  Escrevi 5 capítulos de livros.
Ø  Publiquei 31 trabalhos em anais de eventos acadêmicos nacionais e internacionais.  
Atualmente tenho 14 orientações em andamento (uma de mestrado, 6 de doutorado e 7 de graduação). Tenho mais dois livros que serão publicados esse ano, em parceria com minha querida amiga e excelente pesquisadora Maria Amalia Oliveira; e com outros amigos também queridos e referências em suas áreas. Estou também editando um livro sobre ensino de matemática no Brasil e na Finlândia, em parceria com a querida amiga e pesquisadora Laura Mazzola. Sou editor chefe da Revista Contemporânea de Educação, e editor de seção da revista Estudos em Avaliação Educacional.
Além disso, eu ministro aulas na graduação e na pós-graduação, realizo e coordeno investigações científicas, contribuo com a gestão da Universidade e oriento meus alunos. As orientações acontecem ao vivo, por e-mail, por whtsapp e quase por sinal de fumaça quando todo o resto falha.
Eu não estou reclamando. Ganho meu salário para fazer meu trabalho e o realizo com prazer. Eu não escolheria outra carreira, principalmente qualquer carreira de mercado.
Descrevi minha rotina diária de trabalho para dizer para a sociedade brasileira que ser inútil dá muito trabalho. Agora, para que eu continue sendo esse inútil que vos fala, a Universidade tem que continuar recebendo os recursos que lhe são devidos, eu preciso continuar recebendo meu salário e os funcionários técnicos precisam estar presentes.
Agora, se você de fato não vê nenhuma importância em nada disso, vá (ou venha) para o facebook e bata palminhas para o Ministério da Educação. Comemore a derrocada das Universidades brasileiras e de seus pesquisadores e, principalmente, bata no peito e grite bem alto que você realmente considera tudo isso inútil e não quer pagar por nada. Seja honesto comigo e com todos os pesquisadores. A partir daí, você poderá viver em plena e absoluta ignorância. Seja um ignorante feliz e aplauda também a estupidez alheia. Acho legal quando o estúpido aplaude a própria estupidez e a dos outros. Considero a atitude altiva e corajosa.
Agora vou voltar para a tese da minha aluna. Ela depende da correção para defender e, se a banca aprovar a tese, virar doutora. Eu também tenho que dar um parecer para um artigo, hoje ainda. Mas a madrugada está ai, e o feriado do dia do trabalho também.