Ubirany Félix do Nascimento
morreu. Mais uma das vítimas da pandemia. Ele se foi, mas sua voz e suas
realizações no mundo do samba deixaram marcar indeléveis na cultura brasileira
em geral e na cultura carioca em particular.
Ubirany é reconhecido como um dos
membros fundadores do grupo Fundo de Quintal e como o inventor do repique de
mão. Isso tudo é verdade e o reconhecimento é mais do que legítimo. Aliás,
trata-se de um inventor de um instrumento hoje produzido e vendido no Brasil
inteiro e em boa parte do mundo, e que nunca foi patenteado pelo seu inventor.
Bom, é como diz o samba do Candeia, “o sambista não precisa ser membro da
academia. Ser natural com sua poesia e o povo lhe faz imortal...”.
Todas essas conquistas são
impressionantes, mas eu quero ressaltar outro lado do Ubirany. Aquele ligado à identificação
e a defesa da “cultura suburbana” do Rio de Janeiro. Ele sempre se apresentou
como um homem do subúrbio, que tinha orgulho de ter nascido e vivido no subúrbio
e que trazia outra perspectiva dessa cidade, apresentada pelos bairros
recortados pela linha do trem. Ele era um homem de fala serena, que fazia
questão de enfatizar que respeitava todos os tipos de música, mas que gostava
mesmo era de fazer e cantar samba. Não foi um artista pensado – em termos de
projeto – para ser artista. Como ele mesmo conta, a história do repique de mão
começou quando ele estava em um samba na casa de amigos, tocando em um balde de
alumínio, tudo em parte como obra do acaso. O mesmo aconteceu com o Cacique de
Ramos e com o Fundo de Quintal. Não havia um projeto artístico cultural stricto
sensu, mas sim o desejo de encontrar as pessoas, conversar, tocar e cantar
samba; tudo sempre abençoado pelos orixás que guardavam a cabeça de sua
falecida mãe e dele também.
Samba, candomblé, umbanda, carnaval,
amizade, encontros fortuitos e despretensiosos. Era nesse mar que Ubirany
navegava e foi assim que se tornou um ícone da cultura popular. O samba feito
no fundo do quintal ganhou o Brasil e o mundo e ele, junto de seus parceiros,
tornou-se uma referência nacional. Para aqueles que gostam de samba, vale a
pena ouvir os discos do Fundo de Quintal e cantar junto todas as músicas que
iluminam nosso mundo do samba, tanto aquelas escritas por eles quanto as
pérolas de outros compositores consagrados nas vozes do grupo. Para aqueles que
não gostam de samba, só tenho a dizer o seguinte: nunca é tarde!
Ubirany deixará muitas saudades. O mundo
do samba chora e todos nós temos a obrigação de cuidar do legado cultural deixado
por ele. De forma refinada e sutil ele sempre deixou claro que a cultura
carioca é muito maior do que pensamos, que o subúrbio pulsa e que a poesia não
tem lugar de nascimento. Ela está em todos e para todos.
Salve Ubirany! E que os orixás te
guiem!!!
Deixo aqui uma das minhas preferidas. “Sonho
de Valsa”, um samba triste, com metáforas impressionantes e carregado de
sentimentos.
https://www.youtube.com/watch?v=6D9Pyp1RFy8