Uma das coisas mais
interessantes no Rio de Janeiro é andar de táxi. O serviço não é dos mais
baratos, nem dos melhores, mas o tempo que se passa junto aos taxistas pode
ensinar sobre as coisas da vida.
No verão de 2011 peguei
um taxi em Ipanema. Seguia em direção ao Largo do Machado quando o motorista
começou a puxar conversa. Perguntou se eu estava na praia e eu disse que não. Ele
respondeu: “faz o senhor muito bem!”. Não entendi a colocação, muito menos a
ênfase e decidi perguntar por quais motivos ele considerava que não seria bom
estar na praia. Foi o suficiente para o taxista contar toda sua história familiar
até chegar aos motivos da afirmação.
Ele contou que nasceu
em uma família de classe média alta, que vivia em Copacabana. Com a morte do
pai, os bens da família foram sumindo porque não havia ninguém que sustentasse
os luxos, o padrão e o estilo de vida. Simbolicamente, a família ainda se
pensava e se auto-representava como uma família de classe média alta, mas
materialmente estava cada vez mais próxima das classes trabalhadoras.
Com o passar dos anos,
a situação financeira piorou ainda mais, os bens foram vendidos e o patrimônio
quase desapareceu. Como herança, sobrou o apartamento de Copacabana e uma
pequena quantia em dinheiro. O que fazer? Sua decisão foi comprar um táxi
porque já que teria que trabalhar seria melhor trabalhar por conta própria. Ele
não suportaria horários fixos e um patrão. Além disso, poderia continuar
vivendo e convivendo em Copacabana.
Depois da história
familiar ele emendou dizendo que se sentia muito feliz por não gostar mais de
ir à praia. Comentou que frequentara a praia por muitos anos e que passara a
adolescência e boa parte da juventude com seus amigos na praia. Foi quando disse
que naquela época a praia era outra: cheia de gente bonita, com pessoas
agradáveis que aproveitavam o sol para um mergulho, leitura ou conversa
silenciosa com os amigos. Agora, diz ele, não se consegue mais nada disso em
Copacabana. “É uma farofada, gente ouvindo música alta, ninguém mais lê e a
praia vive lotada”. Seu diagnóstico dizia: “é culpa do metrô”. Ele afirmou com
toda ênfase que antes da chegada do metrô a praia era diferente.
E ele completou: o
senhor pode se preparar porque vai acontecer a mesma coisa com Ipanema. Agora
que o Metrô está por lá, pode esquecer. Ipanema vai acabar da mesma forma que
Copacabana acabou. No final de semana, então, será impossível!
Minha conversa com o taxista
me fez pensar em uma das temáticas que fundaram a moderna reflexão
antropológica: o debate sobre a construção social da diferença. Ele identificava a decadência material de sua família
como um problema, mas não a associava à “decadência” dos modos de vida e
padrões de comportamento. Chegou a dizer que trabalhava como taxista, mas não
era muito taxista. Separava, portanto, sua existência profissional da existência
profissional dos outros taxistas. Ele era um “cara de Copacabana” e não aceitava
que outras pessoas “invadissem” o espaço que classificava como seu. Em seu
discurso estava implícito que essas pessoas que comem farofa, ouvem músicas
altas, e falam o tempo todo não podem ser pessoas de Copacabana. Por isso, ele estava
decidido e concluiu toda a história dizendo: “nunca mais irei à praia”. A sentença
era justificada da seguinte forma: “porque a praia acabou”.
Quando deixei o taxi fiquei
pensando na conversa e no metrô. É incrível como um transporte público aproxima
as pessoas geograficamente e, ao mesmo tempo, faz com que os processos
simbólicos de construção das diferenças sejam ampliados e até mesmo
exacerbados. É claro que o taxista apresenta uma visão que não é,
evidentemente, a visão de todos os moradores de Copacabana, mas é uma visão de alguém que reside em Copacabana. Às vezes, a ampliação da proximidade geográfica aumenta, simultaneamente,
as distâncias culturais, mas também podem surgir movimentos interessantes no meio
deste espaço de conflito.
Seria bom saber o que pensam sobre os moradores de Copacabana aqueles que não vivem no Bairro e usam o metrô para ir à praia. Não vou me alongar. Afinal, é apenas uma postagem. Muitos
antropólogos competentes já estudaram as areias cariocas e os bairros da zona
sul: Mirian Goldenberg, Gilberto Velho, Fabiano Gontijo, Patrícia Farias, Marisol
Goia, Stéphane Malysse, entre muitos outros. Vale a pena lê-los.