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Sou um antropólogo brasileiro especializado em temas educacionais. Meus trabalhos focalizam as relações existentes entre a educação escolar e outras esferas da vida social. Atualmente, desenvolvo pesquisas sobre estratégias familiares e projetos de escolarização nas camadas populares das cidades do Rio de Janeiro e Petrópolis, ambas no Brasil. A abordagem inclui reflexões sobre a educação básica e o ensino superior. O debate sobre a construção social das juventudes é privilegiado porque permite interpretações refinadas sobre as relações entre educação escolar e expectativas de futuro. Trabalho no Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ onde ensino antropologia e sociologia da educação, além de orientar estudantes interessados no debate entre ciências sociais e educação.

domingo, 18 de março de 2012

Conversa de taxista: a praia, o metrô e a diferença.


Uma das coisas mais interessantes no Rio de Janeiro é andar de táxi. O serviço não é dos mais baratos, nem dos melhores, mas o tempo que se passa junto aos taxistas pode ensinar sobre as coisas da vida. 

No verão de 2011 peguei um taxi em Ipanema. Seguia em direção ao Largo do Machado quando o motorista começou a puxar conversa. Perguntou se eu estava na praia e eu disse que não. Ele respondeu: “faz o senhor muito bem!”. Não entendi a colocação, muito menos a ênfase e decidi perguntar por quais motivos ele considerava que não seria bom estar na praia. Foi o suficiente para o taxista contar toda sua história familiar até chegar aos motivos da afirmação. 

Ele contou que nasceu em uma família de classe média alta, que vivia em Copacabana. Com a morte do pai, os bens da família foram sumindo porque não havia ninguém que sustentasse os luxos, o padrão e o estilo de vida. Simbolicamente, a família ainda se pensava e se auto-representava como uma família de classe média alta, mas materialmente estava cada vez mais próxima das classes trabalhadoras. 

Com o passar dos anos, a situação financeira piorou ainda mais, os bens foram vendidos e o patrimônio quase desapareceu. Como herança, sobrou o apartamento de Copacabana e uma pequena quantia em dinheiro. O que fazer? Sua decisão foi comprar um táxi porque já que teria que trabalhar seria melhor trabalhar por conta própria. Ele não suportaria horários fixos e um patrão. Além disso, poderia continuar vivendo e convivendo em Copacabana. 

Depois da história familiar ele emendou dizendo que se sentia muito feliz por não gostar mais de ir à praia. Comentou que frequentara a praia por muitos anos e que passara a adolescência e boa parte da juventude com seus amigos na praia. Foi quando disse que naquela época a praia era outra: cheia de gente bonita, com pessoas agradáveis que aproveitavam o sol para um mergulho, leitura ou conversa silenciosa com os amigos. Agora, diz ele, não se consegue mais nada disso em Copacabana. “É uma farofada, gente ouvindo música alta, ninguém mais lê e a praia vive lotada”. Seu diagnóstico dizia: “é culpa do metrô”. Ele afirmou com toda ênfase que antes da chegada do metrô a praia era diferente. 

E ele completou: o senhor pode se preparar porque vai acontecer a mesma coisa com Ipanema. Agora que o Metrô está por lá, pode esquecer. Ipanema vai acabar da mesma forma que Copacabana acabou. No final de semana, então, será impossível!

Minha conversa com o taxista me fez pensar em uma das temáticas que fundaram a moderna reflexão antropológica: o debate sobre a construção social da diferença. Ele identificava a decadência material de sua família como um problema, mas não a associava à “decadência” dos modos de vida e padrões de comportamento. Chegou a dizer que trabalhava como taxista, mas não era muito taxista. Separava, portanto, sua existência profissional da existência profissional dos outros taxistas. Ele era um “cara de Copacabana” e não aceitava que outras pessoas “invadissem” o espaço que classificava como seu. Em seu discurso estava implícito que essas pessoas que comem farofa, ouvem músicas altas, e falam o tempo todo não podem ser pessoas de Copacabana. Por isso, ele estava decidido e concluiu toda a história dizendo: “nunca mais irei à praia”. A sentença era justificada da seguinte forma: “porque a praia acabou”. 

Quando deixei o taxi fiquei pensando na conversa e no metrô. É incrível como um transporte público aproxima as pessoas geograficamente e, ao mesmo tempo, faz com que os processos simbólicos de construção das diferenças sejam ampliados e até mesmo exacerbados. É claro que o taxista apresenta uma visão que não é, evidentemente, a visão de todos os moradores de Copacabana, mas é uma visão de alguém que reside em Copacabana. Às vezes, a ampliação da proximidade geográfica aumenta, simultaneamente, as distâncias culturais, mas também podem surgir movimentos interessantes no meio deste espaço de conflito. 

Seria bom saber o que pensam sobre os moradores de Copacabana aqueles que não vivem no Bairro e usam o metrô para ir à praia. Não vou me alongar. Afinal, é apenas uma postagem. Muitos antropólogos competentes já estudaram as areias cariocas e os bairros da zona sul: Mirian Goldenberg, Gilberto Velho, Fabiano Gontijo, Patrícia Farias, Marisol Goia, Stéphane Malysse, entre muitos outros. Vale a pena lê-los.


domingo, 11 de março de 2012

Quem ocupa o trono tem culpa, quem oculta o crime também...

A canção “somos quem podemos ser”, do grupo "Engenheiros do Hawaii" sempre chamou minha atenção. Na época, década de 1980, havia uma certa “resistência carioca” à banda gaúcha. Em minha opinião, Humberto Gessinger é um dos grandes poetas do Rock Brazuca, mas sua poesia com um toque regionalista não agradava aos cosmopolitismos do sudeste. 

Polêmicas à parte, meu objetivo não é discutir a cena rock brasileira nos anos 1980. Eu utilizei esta frase em sala de aula quando um estudante perguntou sobre os verdadeiros culpados do fracasso da educação brasileira. Foi engraçado porque os alunos mais jovens não entenderam a citação. Tive que explicar, mas acabou fazendo sentido no final. 
Utilizei a frase porque nos últimos anos tenho formado professores e pesquisado em contextos escolares. O fracasso da educação pública no Brasil é um consenso, bem perigoso, diga-se de passagem. Por isso, dedico parte de minhas aulas à problematização da ideia de fracasso e ao debate sobre as hierarquias de desempenho presentes nos sistemas educacionais. Há, em todos os sistemas, processos de segmentação que fazem com que as escolas sejam muito diferentes. Quando falo sobre isso, não consigo fugir da pergunta: mas de quem é a culpa?


Os estudantes, com muita frequência, querem crucificar alguém e este alguém ganha diversas faces no debate. O culpado é o governo, o Banco Mundial, a falta de estrutura nas escolas, os salários dos professores, o nível socioeconômico das famílias e por ai vai. Estas falas também estão presentes nas narrativas de professores, gestores e até mesmo de alguns especialistas em educação. 
Quando utilizei o verso da música, propus um debate sobre responsabilidades individuais. Disse aos estudantes que o problema é mais complexo e que a caça às bruxas ou a busca pela Geni (aquela que é boa de cuspir) atrapalha qualquer reflexão mais consistente sobre educação. É preciso pensar nas responsabilidades do Estado, nas influências internacionais, no salário dos professores, no nível socioeconômico das famílias, mas também nas atividades docentes, nas crenças dos professores sobre a capacidade intelectual dos estudantes, no tempo realmente utilizado para atividades de ensino e nas expectativas dos professores sobre sua própria profissão. 
Minha discussão sobre o suposto fracasso educacional brasileiro também visa chamar atenção dos futuros professores para suas responsabilidades com o ensino. Eles, em geral, não querem ser professores, mesmo estudando em cursos de licenciatura. Esta contradição ilustra a complexidade deste debate. Nestes casos, sempre procuro deixar um recado: a profissão docente tem que ser uma escolha e melhor seria se aqueles que a escolhem, escolhessem com vontade de fazer a diferença nas escolas em que estiverem trabalhando. Somos quem podemos ser, mas também podemos encontrar as chaves que abrem a prisão criada pelo desânimo relacionado à escola e aos sistemas educacionais. Afinal, o melhor professor é aquele que ensina acreditando que todos os estudantes podem aprender. Para isso, é preciso ânimo!
E você, o que pensa sobre a educação e a profissão docente no Brasil? Deixe seu comentário.

sábado, 3 de março de 2012

Pesquisas comparativas e eventos científicos: o treinamento do olhar.

Pesquisas comparativas tendem a produzir contribuições importantes para o debate científico em torno de uma área de conhecimento. A principal dificuldade é estabelecer os critérios de comparabilidade para que não se misture, como diz o ditado popular, “alho com bugalho”. Antes de comparar, é necessário discutir os limites e as fronteiras das comparações propostas, o que se dá em longas e produtivas conversas acadêmicas. Elas são importantes para o treinamento do olhar sociológico, e também do olhar antropológico.

Eventos científicos são excelentes espaços para este tipo de conversa. São momentos em que pesquisadores de diferentes origens apresentam suas pesquisas e conhecem trabalhos convergentes com os que estão realizando. Por isso, além de grandes espaços de sociabilidade, os Congressos, Seminários, Simpósios, são espaços de muito trabalho e troca de conhecimentos. Eles também permitem que pesquisadores iniciantes (graduandos, mestrandos, doutorandos), convivam com os mais experientes e apreendam as minúcias presentes no cotidiano da pesquisa.

A sociologia da educação trabalha com temas abrangentes, dentre os quais a análise da distribuição de oportunidades educacionais. É um campo vigoroso que ganha muito com comparações entre sistemas escolares presentes em países diferentes.  De 25 a 27 de julho de 2012 teremos a oportunidade de discutir este e outros temas no III Colóquio Luso-Brasileiro de Sociologia da Educação. O evento acontecerá no campus Praia Vermelha, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Jovens e experientes pesquisadores interessados no debate entre Ciências Sociais e Educação poderão inscrever trabalhos e/ou participar do evento. O Colóquio foi organizado por uma equipe composta por pesquisadores renomados no Brasil e em Portugal. São eles:

Comissão organizadora Brasileira: Lea Pinheiro Paixão (UFF), Marcio Costa (UFRJ), Paulo Carrano (UFF) e Zaia Brandão (PUC-Rio).
Comissão organizadora Portuguesa: Ana Matias Diogo (UAC), Lia Pappamikail (IPS) e Maria Benedita Portugal Melo (UL).
Comissão científica Brasileira: Maria Alice Nogueira (UFMG), Juarez Dayrel (UFMG), Marília Pinto Carvalho (USP) e Graça Setton (USP)
Comissão científica Portuguesa: Maria Manuel Vieira (ICS), José Resende (UNL) e João Teixeira Lopes. 

Eu estarei lá! E você, que tal treinar o olhar antropológico neste evento?

Maiores informações estão disponíveis em: http://www.coloquiolusobrasileiro.com/