A política brasileira contemporânea
está cada vez mais pujante. Ídolos e ícones são rapidamente derrubados e a
população felizmente está entendendo que a única diferença entre políticos de
esquerda e de direita está na estratégia voltada para o público que cada
político pretende ter como base. Nos últimos dias aconteceram dois fenômenos
incríveis, dois jantares com boa comida e regados com excelentes vinhos. Quem
jantou com quem? Leandro Karnal com Sérgio Moro e Chico Alencar com Aécio Neves
e Cia.
Eu considerei esses
dois jantares maravilhosos. Os cenários revelam, ou desvelam, dois homens que construíram
suas figuras públicas com base na apresentação e na defesa radical e
intransigente do pensamento de esquerda. Karnal e Alencar, ambos historiadores,
mas com carreiras diferentes têm apontado suas críticas para a gênese do
fascismo no Brasil, para a perseguição aos partidos e pensamentos de esquerda,
para o retorno a tempos sombrios, etc... Daí a surpresa de muitos quando viram
a fotografia de Karnal com Moro e as diversas matérias falando sobre o beija
mão de Alencar para Aécio.
Eu não fiquei surpreso
e nem tampouco abalado. Deixei de curtir ícones faz algum tempo, e essa mudança
ocorreu quando mergulhei no universo dos movimentos sociais e da ação política.
Qualquer um que tenha passado por essa experiência em algum momento da vida
sabe bem que ícones e mártires são ótimos para representar coletivos, mas
também sabe que eles só existem no mundo abstrato das ideias. No dia-a-dia,
esses ícones e mártires são pessoas, com todos os dilemas e as misérias de
qualquer outro ser humano. No caso dos políticos, o que um político mais deseja
é manter-se político, e isso não é nada fácil no cenário brasileiro contemporâneo.
Chico Alencar é um
político profissional. Foi ao jantar do Noblat porque tinha que ir, conversou
com quem conversou porque quis conversar. Beijou a mão de quem beijou porque
quis beijar. E fez tudo isso porque deseja continuar sendo Chico Alencar.
Depois disso, tomou um puxão de orelha da opinião pública e fez um vídeo
dizendo que errou, que nunca imaginou que a elite do governo estaria na festa
do Noblat, que deveria ter ido embora assim que chegou, que não deveria ter
conversado com o Aécio, etc... Não gostei do vídeo e gostei da situação. Ela
demonstra que Chico Alencar é só mais um político sendo político.
Leandro Karnal é um
cara genial. Transformou a filosofia em um objeto de mercado bastante
lucrativo. Nos últimos tempos virou o filósofo de todas as coisas. Passou a oferecer
análises/opiniões sobre qualquer assunto e consolidou-se como um quase guru de
determinadas camadas que buscam no pensamento intelectual um norte para suas
ações práticas. Ataca a direita, a extrema direita, publica frases de efeito e
tem milhões de seguidores por isso. Depois vai jantar com Sérgio Moro, posta
uma fotografia elogiando os vinhos e a conversa e indica que farão projetos juntos.
Ao final, tomou um puxão de orelha de seus fãs e deletou a foto e as legendas. Também
gostei da situação porque revela o Leandro Karnal sendo o Leandro Karnal.
Duas histórias com
formas diferentes e conteúdos semelhantes. Ambos fizeram o que queriam fazer e
ponto. Não há inocência em suas ações. Não há acaso, nem mesmo coincidência. Eles
querem ser quem são e sabem bem o que precisam fazer para dar conta de seus
desejos.
O mais fantástico disso
tudo é que a população agora tem esse tipo de informação disponível e manifesta
seu descontentamento com os ícones e mártires. Falta só um passo para
entendermos de uma vez por todas que eles são apenas pessoas jogando um jogo bem
difícil. Esperar que um grande nome (homem ou mulher) venha salvar a esquerda
no Brasil é uma tremenda bobagem porque grandes nomes são apenas representações
ativadas para legitimar determinadas ações. Acredito que esse ataque aos
grandes ícones do momento é muito valoroso porque pode ajudar a esquerda a
entender que sem projeto ela já era. A direita tem um projeto claro. E o da
esquerda? Qual é? Ou produzimos um projeto coletivo de esquerda, ou, então,
sejamos bem-vindos à era do pensamento de direita. Em ambos os casos ainda
veremos muitos jantares, mas as motivações podem ser bem diferentes.