A proximidade com a copa do mundo no Brasil está mexendo com muita gente. Há os
eufóricos, que já estão loucos pelos jogos; os mal-humorados, inclusive eu, que
vivem xingando o prefeito, o governador, a Dilma e a FIFA por causa das obras;
e há também os reflexivos, que estão pensando em outras mudanças, mais ligadas
ao campo dos sentimentos. Dentre eles está meu amigo com nome de Santo Guerreiro:
Jorge. Ele escreveu um belíssimo texto contanto sua primeira experiência no
maracanã (a primeira a gente nunca esquece). É um texto bonito e triste porque
narra uma história que as próximas gerações não viverão. O novo maracanã ganhou
o padrão higienizado da FIFA, mas perdeu a alegria dos desdentados, dos “geraldinos”
e do encontro caloroso com a alegria proporcionada pelo futebol. Sem mais
palavras, segue o texto do Jorge. O título do post também é dele!
***
“Que apreensão! Campeonato
brasileiro de 92, jogo decisivo para a classificação e lá ia eu pela primeira
vez ao Maraca. Fico arrepiado só de lembrar. Falar esse nome remete-me àquele
Maracanã, por isso arrepia. Trafegava pela avenida Brasil em direção ao maior
do Mundo, de carona com amigos dos amigos (era outra época), pois era a forma
de perder a virgindade sem correr maiores riscos. Imaginava no caminho como
seria chegar ao estádio antes de um jogo; já tinha-o visto por fora, frio, mas
belo. Mas como seria num jogo? Entrar, sentar, ver as cabines de rádio, os
repórteres em campo, a torcida, as placas de publicidade. Ah! ...... e o jogo,
é claro! Vou tentar descrever uma das melhores emoções que tive na vida, mas
será difícil; só quem viveu saberá. Não sabia que entrávamos nas arquibancadas
do Maraca por um túnel, parecido com os jogadores entrando em campo. Cada vez
que subia mais a rampa do túnel, ... o barulho aumentava; a claridade anunciava
algo grandioso por detrás daquele ruído. Senti meus batimentos num intervalo de
tempo menor; num cálculo bem rápido percebi que estava acelerado, pensei em
física e no movimento uniformemente acelerado do meu coração, e em como faria
para calcular a velocidade dos batimentos. Quando se está nervoso, o tempo
quase pára; então por mais que caminhasse o momento tão esperado não chegava. O
túnel era interminável! Até que avistei..... Era o outro lado da arquibancada
por onde eu entrava. Era lindo! Único! Acho que na fé em meu ateísmo pensei; ......
meu Deus!!! O verde ofuscou-me, e as vozes próximas atrapalharam um pouco
aquele momento, que por instante agora era totalmente silencioso. Meu e dele,
do Maraca. Isso mesmo, personalizei aquele mundão de concreto. Parecia que nos
conhecíamos há muito tempo por carta, telefone, e-mail (ops novamente), mas
nunca tinha encontrado com ele pessoalmente. Caminhei na direção de um assento
levado pela multidão que estava ao meu lado, na frente e atrás de mim. Não
tinha relógio, portanto não sabia se iria começar o espetáculo (jogo); quanto
faltava, mas não importava. Já havia vencido a todos. Todos que nunca tiveram a
oportunidade de passar por aquilo; ou todos que passaram e não perceberam a
sutileza do evento. A certo tempo já estava delimitando arquibancadas, ....
cadeiras azuis, ..... geral, ..... até o pessoal mais abastado em um setor;
pois mesmo que a onda de senta e levanta não terminasse ali, percebia-se que o
espaço onde se encontravam era menor que todo o estádio. Ah! O jogo vencemos
por 2 x 0 e nos classificamos, mas nem os gols compararam-se à emoção que
senti. Outros possivelmente sentirão a mesma emoção que senti no “new maracanã”
(expressão usada pelo jornalista Mauro César da ESPN), mas algumas coisas são
só minhas. O túnel, não sei porque, é diferente. Pode ser pelo fato de não ser
mais virgem. O fosso, por mais que a palavra soasse estranha a ouvidos outros;
no meu era usado para realçar o palco principal; o picadeiro. A delimitação
entre os setores não há mais; nem diferenciam os mais abastados. Há quem possa
pensar que antes é que existia o segregacionismo devido às divisões; mas penso
o inverso. Hoje parece que só tem um setor. A última vez que fui a um jogo me
senti realmente numa arena; onde a quantidade de tablets ganhava de goleada dos
radinhos e dos negros. Como já dizia Titãs, não acredito em ninguém com mais de
32 dentes! Onde está o desdentado do Maraca?”
(C.J.
Riger – Doutor em bioquímica, viciado em esportes e apaixonado pelo futebol).
Jorge
recomenda: “Memórias do Chumbo – O Futebol nos Tempos do Condor, com
direção de Lúcio de Castro”, episódio sobre o Chile e diz: “o esporte
nos revela muito mais do que pensamos”.