Hoje
compartilhei um vídeo postado por um amigo de facebook. Nele, o comediante
Marcelo Adnet faz uma caricatura do famoso ritual de corpo-a-corpo na política.
Aquele que os políticos realizam às vésperas das eleições. Saem à rua, beijam
idosos e crianças, comem pratos populares e vendem a imagem de renovação na política,
mesmo que estejam no poder por longos anos.
Não
escrevi nada além de “o mais curioso é que a gente acha graça”. Rapidamente
tive algumas curtidas, partilhas e comentários. Foi sensacional perceber que
todos entenderam a crítica presente no vídeo, riram por conta da qualidade do
trabalho do humorista e, de certa forma, corroboraram com a percepção de que a
política feita por aqui é assim mesmo.
Quando
Gonzaguinha lançou “É” ele dizia que “a
gente não tem cara de panaca. A gente não tem jeito de babaca. A gente não está
com a bunda exposta na janela prá passar mão nela”. Sempre fui fã dele e
achava o máximo imaginar o que seria uma bunda exposta na janela para todo
mundo passar a mão nela. Afinal, como diz o Roberto da Matta, a bunda na cultura
brasileira é sagrada e envolve uma série de sacralidades. Se o sujeito é homem,
e orientado pelas regras da masculinidade tradicional, não pode deixar que
ninguém passe a mão na bunda dele. Se ele tem mulher, ninguém pode olhar a
bunda dela. Se ele não é orientado pela masculinidade tradicional, não vai
deixar qualquer um passar a mão na bunda dele [só aqueles que ele escolher] e
também não vai gostar que olhem para a bunda do homem dele.
Por
outro lado, se o sujeito é mulher, e gosta de carinhos na bunda, tem que
controlar quem passa a mão na sua bunda. Afinal, se deixar por conta da massa, todo
mundo acaba tirando uma casquinha e a bunda, convenhamos, não é para todos. Só para
aqueles que têm direto a ela, um tipo de direito definido por aquele que é dono
da bunda, nesse caso tanto faz se é homem ou mulher. Afinal, a bunda é algo que
nos une porque todo mundo têm e precisa decidir o que fazer com ela.
A
metáfora do Gonzaguinha é muito interessante porque estar com a bunda exposta
na janela e disponível para quem quisesse passar a mão seria um exemplo de
subserviência e submissão. Ele dizia que não aceitávamos isso porque “a gente quer viver uma nação, a gente quer
é ser um cidadão”. Temos aí duas coisas complicadas de ser no Brasil. Ser
nação e cidadão por aqui depende, dentre outras coisas, da existência de representantes
que façam valer os direitos coletivos, do Estado Democrático, do sistema
republicano, entre outras questões.
É
nesse ponto que eu volto ao Adnet e sua caricatura. Usando uma estratégia
malinowskiana, proponho um “imagine-se”.
Imagine-se como um cidadão brasileiro, cheio de vontade de construir uma nação,
querendo compartilhar a liberdade e a felicidade que nos torna humanos com
todos os outros cidadãos e... representado por um político como o caricaturado
no vídeo. Sinceramente, isso é no mínimo incongruente.
Se
o país é um coletivo e pode ser pensado como uma grande bunda, nosso problema é
que é muito difícil controlar uma bunda coletiva, aquela que os políticos
caricaturados no vídeo gostam de passar a mão no escurinho, sem avisar a
ninguém. A bunda individual é mais fácil de controlar, mas ela acaba recebendo
uma mãozada abusada, mesmo sem querer. Pensando na lógica do possível e nas
eleições que se aproximam, se a bunda coletiva sempre está exposta na janela, vale
a pena buscar individualmente aqueles que não gostem tanto de passar a mão nela.
Será que eles existem?