Em novembro de 2023
recebi um presente de um amigo querido: o livro: “Um homem chamado liberdade”. Fui
presenteado pelo próprio autor: Jelcy Rodrigues Corrêa Júnior.
Jelcy foi meu professor e
trata-se de uma das pessoas com quem mais aprendi na vida, no auge da minha
adolescência em Petrópolis. Ele era a maior referência da minha turma de ensino
médio. Alguém que ensinava dialogando nos nossos próprios termos e conseguia,
com primor, realizar todos os deslocamentos pedagógicos necessários para que
transpuséssemos as redomas dos nossos próprios circuitos de socialização e
percebêssemos o mundo social em sua grandeza e diversidade, que estavam para
além de nós mesmos.
Ele nos ensinou um pouco
de tudo: grandezas matemáticas, economia brasileira, normas e regras de
gerenciamento, filosofia, literatura e história brasileiras. Como ele conseguia
esta proeza? Inserindo conteúdos na forma de um bate-papo com uma garotada que
estava ali, quase concluindo o ensino médio e sem saber bem o que faria da
vida. Ele estava conosco, dentro e fora das salas de aula, nos corredores, nas
confraternizações, no refeitório, no cafezinho; e atraía todos nós com as suas
conversas sobre tudo.
À época, eu e meus amigos
mais próximos desenvolvíamos teorias sobre o Jelcy. Imaginávamos que ele tivera
passado toda a vida estudando, que deveria ter uma biblioteca gigantesca em
casa e que já deveria ter lido tudo o que estava disponível por lá. Chegávamos a
conjecturar que toda a sua família deveria fazer a mesma coisa: ficar o dia
inteiro em uma biblioteca trocando ideias e conhecendo o Brasil. Nunca
comprovamos as teorias e seguimos acreditando nelas piamente até hoje.
Um homem chamado
liberdade conta parte da história de Jelcy com seu pai, também chamado Jelcy. Ao
ler as linhas, conheci um pouco mais deste professor que tanto me inspirou na
vida e na minha profissão. Em certa medida, Jelcy filho é um dos responsáveis
por eu ter me tornado professor. Assim como o pai, ele tornou-se uma referência
para muitas pessoas, inclusive para os seus alunos.
O livro começa pelo fim.
Acometido pela COVID-19, Jelcy pai foi internado e deixou a família inteira
preocupada com o desenrolar do tratamento, que infelizmente não foi suficiente.
Jelcy pai foi mais uma das vítimas da pandemia e do descaso do governo
brasileiro com a população. Depois deste início trágico, o texto oferece um
passeio sobre uma vida de luta, militância e compromisso político, ético e
moral de um homem e de sua família. Entre idas e vindas, presente e passado se
entrelaçam na narrativa, tecendo um caminho que permite ao leitor conhecer as
ações e as estratégias profissionais e familiares que Jelcy pai desenvolveu,
dado o campo de possibilidades disponível para ele e sua família durante a sua
vida.
Jelcy filho, o autor, constrói
um texto muito parecido com as suas aulas. Uma narrativa leve, entremeada por histórias,
repleto de informações objetivas sobre o cenário político brasileiro e,
principalmente, inundado por emoções e afetos relacionados ao seu pai, à sua
família e à sua própria vida. Não darei nenhum spoiler do livro além do que já
escrevi aqui. Espero que os leitores destas linhas busquem o livro, mergulhem
na história e envolvam-se com os personagens presentes. A história deles também
é a história do Brasil.
Depois de ler o livro conheci um pouco mais sobre o Jelcy filho. Ele, assim como o pai, trabalhou e trabalha em silêncio, oferece ideias gratuitamente para quem as quiser, apresenta perspectivas, defende posições, acolhe as dúvidas. É a síntese do que é ser professor. Por vezes, os professores passam a vida sem saber da importância que tiveram na vida dos alunos. Falo isso também por profissão. Nós realizamos as aulas, corrigimos os trabalhos, dialogamos com os alunos. Depois de tudo, eles seguem seus caminhos e não mais sabemos o que ocorreu, o que ficou em cada aluno do que quisemos oferecer. Para o Jelcy, digo que ele me ofereceu muito e que hoje, após mais de 30 anos, ainda guardo fragmentos das suas aulas e das suas conversas. Acredito que o mesmo aconteça com meus colegas de turma, hoje todos quarentões, e alguns já cinquentões.
As referências completas do livro são:
Corrêa, Jr. Jelcy R. Um homem chamado liberdade. Petrópolis: Rio de Janeiro: Edição do autor, 2023.