Quem sou eu

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Sou um antropólogo brasileiro especializado em temas educacionais. Meus trabalhos focalizam as relações existentes entre a educação escolar e outras esferas da vida social. Atualmente, desenvolvo pesquisas sobre estratégias familiares e projetos de escolarização nas camadas populares das cidades do Rio de Janeiro e Petrópolis, ambas no Brasil. A abordagem inclui reflexões sobre a educação básica e o ensino superior. O debate sobre a construção social das juventudes é privilegiado porque permite interpretações refinadas sobre as relações entre educação escolar e expectativas de futuro. Trabalho no Departamento de Fundamentos da Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ onde ensino antropologia e sociologia da educação, além de orientar estudantes interessados no debate entre ciências sociais e educação.

sábado, 23 de dezembro de 2023

Um homem chamado Liberdade

Em novembro de 2023 recebi um presente de um amigo querido: o livro: “Um homem chamado liberdade”. Fui presenteado pelo próprio autor: Jelcy Rodrigues Corrêa Júnior.

Jelcy foi meu professor e trata-se de uma das pessoas com quem mais aprendi na vida, no auge da minha adolescência em Petrópolis. Ele era a maior referência da minha turma de ensino médio. Alguém que ensinava dialogando nos nossos próprios termos e conseguia, com primor, realizar todos os deslocamentos pedagógicos necessários para que transpuséssemos as redomas dos nossos próprios circuitos de socialização e percebêssemos o mundo social em sua grandeza e diversidade, que estavam para além de nós mesmos.

Ele nos ensinou um pouco de tudo: grandezas matemáticas, economia brasileira, normas e regras de gerenciamento, filosofia, literatura e história brasileiras. Como ele conseguia esta proeza? Inserindo conteúdos na forma de um bate-papo com uma garotada que estava ali, quase concluindo o ensino médio e sem saber bem o que faria da vida. Ele estava conosco, dentro e fora das salas de aula, nos corredores, nas confraternizações, no refeitório, no cafezinho; e atraía todos nós com as suas conversas sobre tudo.

À época, eu e meus amigos mais próximos desenvolvíamos teorias sobre o Jelcy. Imaginávamos que ele tivera passado toda a vida estudando, que deveria ter uma biblioteca gigantesca em casa e que já deveria ter lido tudo o que estava disponível por lá. Chegávamos a conjecturar que toda a sua família deveria fazer a mesma coisa: ficar o dia inteiro em uma biblioteca trocando ideias e conhecendo o Brasil. Nunca comprovamos as teorias e seguimos acreditando nelas piamente até hoje.

Um homem chamado liberdade conta parte da história de Jelcy com seu pai, também chamado Jelcy. Ao ler as linhas, conheci um pouco mais deste professor que tanto me inspirou na vida e na minha profissão. Em certa medida, Jelcy filho é um dos responsáveis por eu ter me tornado professor. Assim como o pai, ele tornou-se uma referência para muitas pessoas, inclusive para os seus alunos.

O livro começa pelo fim. Acometido pela COVID-19, Jelcy pai foi internado e deixou a família inteira preocupada com o desenrolar do tratamento, que infelizmente não foi suficiente. Jelcy pai foi mais uma das vítimas da pandemia e do descaso do governo brasileiro com a população. Depois deste início trágico, o texto oferece um passeio sobre uma vida de luta, militância e compromisso político, ético e moral de um homem e de sua família. Entre idas e vindas, presente e passado se entrelaçam na narrativa, tecendo um caminho que permite ao leitor conhecer as ações e as estratégias profissionais e familiares que Jelcy pai desenvolveu, dado o campo de possibilidades disponível para ele e sua família durante a sua vida.

Jelcy filho, o autor, constrói um texto muito parecido com as suas aulas. Uma narrativa leve, entremeada por histórias, repleto de informações objetivas sobre o cenário político brasileiro e, principalmente, inundado por emoções e afetos relacionados ao seu pai, à sua família e à sua própria vida. Não darei nenhum spoiler do livro além do que já escrevi aqui. Espero que os leitores destas linhas busquem o livro, mergulhem na história e envolvam-se com os personagens presentes. A história deles também é a história do Brasil.

Depois de ler o livro conheci um pouco mais sobre o Jelcy filho. Ele, assim como o pai, trabalhou e trabalha em silêncio, oferece ideias gratuitamente para quem as quiser, apresenta perspectivas, defende posições, acolhe as dúvidas. É a síntese do que é ser professor. Por vezes, os professores passam a vida sem saber da importância que tiveram na vida dos alunos. Falo isso também por profissão. Nós realizamos as aulas, corrigimos os trabalhos, dialogamos com os alunos. Depois de tudo, eles seguem seus caminhos e não mais sabemos o que ocorreu, o que ficou em cada aluno do que quisemos oferecer. Para o Jelcy, digo que ele me ofereceu muito e que hoje, após mais de 30 anos, ainda guardo fragmentos das suas aulas e das suas conversas. Acredito que o mesmo aconteça com meus colegas de turma, hoje todos quarentões, e alguns já cinquentões.

As referências completas do livro são:

Corrêa, Jr. Jelcy R. Um homem chamado liberdade. Petrópolis: Rio de Janeiro: Edição do autor, 2023. 

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

A batalha da antropologia contra o chatGPT

 Era uma vez um algoritmo safado, arretado, que de tamanha “inteligência” fazia até poesia.

Um cabra virou e disse: esse aí, vai fazer até antropologia!

Sabe de nada esse cabra. Acha que antropologia é a soma de um montão de palavras numa frase e num parágrafo, mas não é, não.

O tal algoritmo pode ser “inteligente”, mas não tem sensibilidade e não sabe interagir.

Interação é coisa da gente, do povo contente.

É o antropólogo que se mete em tudo, vai para o meio do povo e fica por lá.

Olhando, escrevendo, pensando, sentindo e se arrumando com a gente no ato de interagir.

O abestado desse algoritmo se olhar para tudo isso vai é sair correndo.

Vai dizer para ele mesmo que precisa de mais uma fonte para tentar deduzir.

O povo rindo vai dizer que se não entende é porque não é gente e não pode se divertir.

E no final, o antropólogo sai de lá modificado, sensibilizado e prontinho para contar para todo mundo o que ele era e o que passou a ser depois de se meter lá no meio do povo.

Já o algoritmo tá perdidinho, deduzindo daqui e de lá o que não se pode deduzir.

Sai fora, montão de número, a vida é maior do que você.